Nos mais de vinte anos cobertos pelo relatório da BestBrokers, a economia portuguesa registou seis anos de recessão e dez de quebras do índice bolsista em Lisboa. Por que razão, mesmo assim, a riqueza na mão dos mais ricos aumentou?

Independentemente do desempenho da economia portuguesa nesses vinte e quatro anos ter sido relativamente medíocre, o que se verifica é que a concentração da riqueza se tornou um pouco mais desigual. Curiosamente, isso contrasta com a evolução da concentração do rendimento que se tornou um pouco menos desigual naquele período. Provavelmente esta evolução da desigualdade na riqueza deve-se principalmente ao facto de, de uma forma geral, a valorização dos ativos mobiliários e imobiliários ter excedido o ritmo de crescimento da economia e dos rendimentos. O que favoreceu quem mais tinha à partida.

Isso é um traço especial?

O que tornou esse aumento especialmente preocupante é o facto de ser um agravamento face a uma situação que já era de considerável desigualdade. Portugal é um país especialmente desigual quando comparado com outros países europeus em termos de concentração de património, ainda mais do que na distribuição do rendimento.

Porquê?

Apesar da relativa melhoria nas últimas duas décadas, Portugal continua a fazer parte do grupo de países da União Europeia mais desiguais em termos de concentração de rendimento. Porém, a desigualdade ao nível da concentração da riqueza é, ainda, mais intensa. Isto indica que o efeito acumulado das desigualdades de rendimento do passado conduziu a grandes diferenças acumuladas de património.

E qual é a consequência desse efeito?

Ainda que os impostos e os apoios sociais no presente atenuem a desigualdade a nível da distribuição do rendimento disponível, há uma desigualdade estrutural ao nível da distribuição do património líquido (o stock) que tenderá sempre a agravar a própria desigualdade do rendimento (o fluxo) sempre que a progressividade das políticas redistributivas – fiscais e sociais – for atenuada.

Induz-se do relatório que, em 2023, um pouco mais de 100 mil portugueses detinham 25% do património muito mais do que o PIB português. É uma boa aproximação da realidade da concentração da riqueza?

As estimativas do património líquido total em Portugal oscilarão entre cinco a seis vezes o valor do PIB, o que aponta para um valor da riqueza entre 1500 a 1800 mil milhões de euros. Em termos de ordem de grandeza faz sentido. O relatório tem por base os dados da World Inequality Database que são as estimativas mais robustas disponíveis.