As empresas familiares são uma parte muito relevante do tecido económico português e europeu, assumindo-se muitas vezes como pilares de estabilidade, guardiãs de tradições e autênticos símbolos de perseverança. Mas… terão estas empresas futuro num mundo globalizado, digital e cada vez mais impiedosamente competitivo?

A resposta a esta questão não é simples. Por um lado, as empresas familiares distinguem-se por terem uma identidade forte e por assentarem a sua filosofia em valores transmitidos de geração em geração, privilegiando uma visão de longo prazo, associada à noção do legado da família. Assim, tendem a criar relações de proximidade com clientes, trabalhadores e comunidades, fomentando confiança e sentido de pertença. Por outro, revelam resiliência em tempos de crise e, pela simplicidade da sua estrutura, são geralmente flexíveis e rápidas a decidir. Acresce ainda que a ligação emocional ao negócio se traduz num maior cuidado com a qualidade e com a reputação, enquanto a autenticidade e a tradição podem funcionar como elementos diferenciadores num mercado global que procura cada vez mais experiências únicas e genuínas.

No entanto, estas estruturas enfrentam problemas complexos. Desde logo, a questão da sucessão, frequentemente o principal calcanhar de Aquiles deste tipo de empresas. Quem não conhece histórias de empresas de referência que desapareceram devido a disputas familiares insanáveis? Quantos são os casos de sucessões mal-sucedidas, em que a geração seguinte – completamente incapaz de entender e gerir o negócio – destrói o que levou décadas a construir? Ou ainda o problema clássico da geração anterior que, estando formalmente retirada, não consegue largar o leme? Num mundo acelerado e num mercado global, há pouco espaço para este tipo de hesitações, erros e incoerências, porque ninguém está disposto a esperar pela resolução de uma boa briga de família. Tal custa contratos, oportunidades e, eventualmente, a própria sobrevivência da empresa.

Um problema adicional que afeta as empresas familiares é o seu nível de profissionalização, já que, não raras vezes, neste ambiente, se confunde lealdade com competência. Filhos, sobrinhos e primos são colocados em posições-chave não pelo seu mérito, mas apenas pelo critério do “apelido de família”. Num mundo que não tem complacência para a falta de profissionalismo, estes erros estratégicos bloqueiam a inovação e o próprio crescimento.

De facto, os concorrentes procuram equipar-se com as melhores pessoas, formando equipas especializadas e dotadas dos conhecimentos e competências necessários para melhor atacar o mesmo mercado, o que coloca as estruturas mais tradicionais e pouco profissionalizadas em clara desvantagem.

Depois há a questão da sustentabilidade. Quer se goste quer não, a Europa caminha para modelos de consumo e produção mais ambientalmente conscientes, e as empresas que não se adaptarem serão penalizadas pelo mercado e pela regulação. Ora, para as empresas familiares este é um desafio acrescido, porque exige investimentos pesados, capacidade de inovação e know-how técnico que frequentemente não existe dentro da própria família. Assim, é necessário abrir capital, trazer gestores especializados, atrair conhecimento novo e integrar práticas de governação que garantam transparência — tudo temas de difícil digestão para a maioria das empresas familiares.

Em suma, o futuro das empresas familiares dependerá da sua coragem para mudar. Já não basta herdar um apelido ou manter uma tradição: é preciso profissionalizar a gestão, aceitar que nem todos os filhos estão talhados para liderar e, muitas vezes, entregar a empresa a quem tem competência real. A resistência à inovação é uma fraqueza fatal num mercado global em que a rapidez e a especialização decidem o sucesso. Nesse sentido, estas empresas só terão futuro se transformarem a sua herança em vantagem competitiva, se abraçarem a tecnologia, a sustentabilidade e a cooperação estratégica com outras organizações.

A tradição pode, então, ser um trunfo, mas apenas quando serve de base à inovação. Caso contrário, é apenas memória. E a economia do futuro não vive de lembranças: vive de resultados (e de cash-flow ajustado ao risco).

NOTA: Este artigo apenas expressa a opinião do seu autor, não representando a posição das entidades com as quais colabora.