Nos últimos cinco anos, Portugal assistiu a um aumento impressionante do número de pessoas em situação de sem-abrigo. Segundo a Estratégia Nacional para a Integração das Pessoas em Situação de Sem-Abrigo, de seis mil em 2018, o número aumentou para mais de treze mil em 2023. Este crescimento, para mais do dobro, não resulta de anos excecionais. É uma tendência estrutural que, aparentemente, se cruza, de forma direta, com a escalada dos preços da habitação.

Em paralelo, os preços das casas continuam a disparar muito acima da evolução dos salários. Nos últimos dez anos, o valor da habitação subiu mais de 135%, muito acima do crescimento do rendimento das famílias. Para a classe média portuguesa, o sonho de ter casa própria está cada vez mais distante. Um inquérito recente do Observador e da Netsonda mostra que quase um quarto da população vive em regime de arrendamento, embora 97% desejem adquirir habitação própria.

O enorme desfasamento entre rendimento e custo da habitação é hoje um dos principais fatores de exclusão social. Não se trata apenas de uma questão de estatísticas. O problema reflete-se em vidas concretas, em jovens que não conseguem sair da casa dos pais, em famílias que consomem uma parte insustentável do salário na renda e em cidadãos que, sem rede de apoio, acabam na rua.

A resposta política tem sido ineficaz. O governo avança medidas paliativas. Dados do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana apontam para 250 mil casas prontas a habitar que estão fora do mercado, bem como mais de 700 mil imóveis devolutos. Portugal tem, em média, 1,4 habitações por família. Aparentemente, segundo o que se pode depreender do estudo do IHRU, não estamos perante uma escassez absoluta de imóveis, mas sim de uma gestão ineficiente e de bloqueios estruturais que impedem a mobilização dos recursos já existentes.

Apesar da ideia que é possível inferir deste estudo, seria um erro concluir que não há falta de habitação. O verdadeiro défice está na oferta acessível face ao nível salarial médio. A barreira é intransponível para quem aufere rendimentos baixos, especialmente quando o preço do metro quadrado em Lisboa se aproxima dos 4.000 euros e no resto do país varia entre 2.500 e 3.000 euros.

É certo que a redução da burocracia nos processos urbanísticos e sucessórios poderá desbloquear imóveis devolutos. A criação de mecanismos de mediação entre proprietários e inquilinos também poderá aumentar a confiança no mercado de arrendamento.

Mas o que é verdadeiramente relevante é avançar com soluções estruturais. A revisão da Lei dos Solos deve ser aplicada com rigor, permitindo converter áreas rústicas em urbanas de forma sustentável.

O que não se pode repetir são medidas coercivas, como o arrendamento forçado de 2023, entretanto revogado por ferir o direito constitucional à propriedade. O caminho deve ser outro. Deve envolver transparência, incentivos equilibrados e um compromisso firme entre Estado, autarquias e setor privado.

Se nada mudar, a tendência será clara e teremos, decerto, mais sem-abrigo, mais exclusão social e uma sociedade cada vez mais desigual. A habitação é o elemento central da coesão social. É o futuro do país que está em causa.

Professor associado e coordenador da área de Economia e Gestão da Universidade Europeia