Portugal volta a enfrentar um verão marcado por incêndios devastadores. Ainda é cedo para quantificar de forma rigorosa os prejuízos, mas é possível afirmar que serão de muitas centenas de milhões de euros. A tragédia repete-se. Vidas humanas perdidas, património natural e económico destruído, comunidades inteiras a braços com uma realidade que mina o desenvolvimento local.

O custo humano é irrecuperável. Não há valor que compense uma vida. Mas, para além disso, a fatura económica é especialmente severa este ano. Em 2017, a Fitch Solutions estimou perdas na ordem de 1.500 milhões de euros, não muito longe de 1% do PIB português naquele ano. Este ano, os números apontam para danos ainda mais severos. A Ordem dos Economistas referia já 2,4 mil milhões de euros de prejuízo em meados de agosto.

O impacto é transversal: agricultura, pecuária, floresta e setores associados, turismo, hotelaria e restauração,  telecomunicações, energia, transportes e habitação. A destruição obriga a repor infraestruturas, provoca interrupções de serviços e condiciona a vida das populações. Não surpreende que, de acordo com o Eurostat e a Agência Europeia do Ambiente, Portugal seja o país da União Europeia que proporcionalmente mais território perde com incêndios. Entre 2006 e 2024, ardeu em média mais de 1% do território nacional por ano, quase três vezes mais do que a Grécia, o segundo país mais atingido.

Retrato dos incêndios: 7 gráficos para entender porque e o que arde em Portugal
Retrato dos incêndios: 7 gráficos para entender porque e o que arde em Portugal
Ver artigo

Perante esta realidade, será possível que, num país que lidera de forma tão dramática estes indicadores, o combate a incêndios continue a assentar em grande parte no voluntariado? É correto que continuemos a obrigar a maioria dos bombeiros a ter outra atividade profissional para conseguirem subsistir?

A analogia é simples. Imaginar que a Medicina ou a Segurança Pública funcionariam sobretudo com voluntários é impensável. Então por que razão aceitamos que seja diferente com os bombeiros? Estes profissionais enfrentam risco real de perda de vida, requerem formação altamente especializada e estão no terreno em circunstâncias que quase nenhum outro setor enfrenta. Colocam-se em risco de perda de vida para salvarem seres humanos e outros elementos expostos.

Defendo que Portugal deve avançar para a profissionalização massiva dos bombeiros. Não apenas para garantir meios humanos estáveis, mas para dar dignidade e reconhecimento a quem arrisca tudo em nome do coletivo. Mais, pela natureza extremamente perigosa e arriscada da atividade, essa profissionalização deve ser acompanhada de salários acima da média nacional. Só profissionalizando se empodera uma profissão. Com mais poder e força de reivindicação, o setor teria mais capacidade para pressionar, com eficácia, os responsáveis pela execução de políticas, medidas e ações de prevenção.

Portugal não pode resignar-se à ideia de que “todos os verões será assim”. A diferença entre um país que reage e um país que previne está, em grande medida, na valorização dos seus recursos humanos. E os bombeiros são, sem dúvida, o recurso mais precioso que temos para enfrentar o flagelo dos incêndios.

Professor associado e coordenador da área de Economia e Gestão da Universidade Europeia