As Pequenas e Médias Empresas (o famoso termo PME já faz parte do nosso imaginário) constituem a coluna dorsal da economia portuguesa e representam a quase totalidade do tecido empresarial, sendo decisivas para o emprego, a inovação e a coesão territorial. Segundo dados do Banco de Portugal, estas empresas, embora dependentes sobretudo do crédito bancário, têm vindo a diversificar gradualmente as suas fontes de financiamento. Em junho de 2024, o rácio de endividamento das sociedades não financeiras fixava-se em 76% do PIB, um valor já abaixo da média da área do euro e que evidencia uma maior resiliência financeira do tecido empresarial nacional. Ao mesmo tempo, os depósitos das empresas cresceram 2,5% no primeiro semestre de 2024 e situam-se hoje 45% acima dos níveis de 2019, sinal claro de robustez e liquidez. Estes indicadores revelam que as PME, mesmo sem escala comparável às grandes empresas internacionais, têm demonstrado capacidade de adaptação e reforço financeiro.
As PME são fundamentais pela sua dimensão coletiva, mas é nas empresas líderes que reside a capacidade de tornar a economia portuguesa altamente competitiva a nível global. Embora o Banco de Portugal não detalhe estatísticas apenas para as grandes empresas, a evolução positiva da rendibilidade operacional do setor, com um rácio EBITDA sobre ativos de 9,5% em junho de 2024, próximo dos máximos da última década, mostra que existe um núcleo empresarial capaz de manter margens robustas, mesmo em contextos adversos. É provável que este desempenho esteja concentrado em players de maior dimensão que, pela sua escala e capacidade de inovação, conseguem integrar cadeias de valor e abrir caminho em mercados internacionais. São estas empresas que funcionam como âncoras do sistema e têm a capacidade de “arrastar” fornecedores, transferir tecnologia, e atrair investimento e projetar a marca made in Portugal no mundo. A pergunta que se impõe é: temos a ambição e a visão política necessárias para criar campeões nacionais em setores estratégicos, sem perder a riqueza e a diversidade das nossas PME no tecido empresarial?
A força das PME e das empresas líderes só atinge o seu potencial máximo quando articulada em clusters estratégicos (relembrar o modelo de Porter para Portugal). O Banco de Portugal, disponibiliza dados regionais sobre investimento e financiamento que permitem mapear a densificação empresarial em setores chave. Este tipo de informação é essencial para identificar onde podemos consolidar clusters capazes de gerar massa crítica, seja nas energias renováveis, no turismo sustentável, na agroindústria ou nas tecnologias digitais. A articulação entre pequenas empresas inovadoras, grandes empresas exportadoras, universidades e centros de investigação é o caminho mais eficaz para ultrapassar limitações de escala e posicionar Portugal em cadeias de valor globais.
Os dados do Banco de Portugal ajudam assim a clarificar três dimensões estratégicas. Primeiro, confirmam que as PME estão mais capitalizadas e resilientes do que muitas vezes assumimos, dispondo de liquidez suficiente para investir em digitalização e internacionalização. Segundo, mostram que existe um núcleo de empresas de maior dimensão com forte capacidade de gerar valor e sustentar margens, o que reforça a urgência em consolidar empresas “estrelas” com alcance global. Terceiro, evidenciam que as disparidades regionais podem ser transformadas em oportunidades, desde que apoiadas por políticas públicas que fortaleçam clusters dinâmicos e conectem PME, grandes empresas e centros de I&D.
O desafio de Portugal é, por isso, transformar esta realidade numa estratégia integrada, aproveitar a resiliência financeira das PME, alavancar a solidez das empresas maiores como motores de internacionalização e consolidar clusters que maximizem inovação e investimento em todo o território. É desta combinação onde temos PME sólidas, líderes globais e ecossistemas colaborativos, que dependerá a capacidade do país em escapar à armadilha da baixa produtividade e afirmar-se como uma economia inovadora, internacionalizada e sustentável, mas se em teoria parece fácil o que falta a Portugal? Menos burocracia. E este elemento é obvio em todos os quadrantes, um sistema fiscal mais dinâmico para atrair investimento e ter visão estratégica de longo prazo coordenada entre governo, empresas e instituições de investigação. Existem barreiras de financiamento em alguns casos, falta de programas consistentes de internacionalização e uma dispersão geográfica de competências que ainda impede clusters verdadeiramente eficientes. Há também a necessidade de criar incentivos claros para que mais PME consigam escalar os negócios, adotando tecnologia como IA e processos inovadores.
Perguntas estratégicas surgem naturalmente nestes enquadramentos e quando pensamos no tecido empresarial português, estamos a criar condições para que empresas integrem de facto cadeias de valor globais, em vez de limitarem ser fornecedoras periféricas? Conseguiremos transformar clusters regionais em hubs de inovação com efeito multiplicador nacional? E, sobretudo, será Portugal capaz de equilibrar escala e diversidade, garantindo que o crescimento de líderes globais não se faça à custa da vitalidade das PME? Responder a estas questões não é opcional, é o que definirá se a economia portuguesa permanecerá fragmentada ou se pode ter a capacidade de competir de forma sustentável e inovadora no palco global num mundo altamente polarizado.
É necessário relembrar que diversos estudos indicam que apenas cerca de 30% das empresas familiares sobrevivem à segunda geração, e menos de 10% chegam à terceira (OECD, 2022). Muitos destes negócios mantêm uma gestão baseada em laços familiares em vez de competências profissionais, o que limita a inovação, a gestão financeira e a capacidade de internacionalização, tornando-os menos competitivos face a empresas mais estruturadas. Além disso, a dependência de capital próprio ou crédito bancário, aliada à relutância em diluir o controlo familiar, dificulta a capacidade de atrair investimento necessário para expansão, digitalização ou entrada em novos mercados.
É tempo de pensar numa economia menos fragmentada e mais articulada e profissionalizada, que capitalize a robustez das PME, consolide líderes empresariais internacionais e use os clusters como motores de inovação. O futuro não depende apenas de resistir, depende de crescer com escala em modelos clusters atualizados face a novas oportunidades de negócio, assertividade e muita ambição e capacidade de risco empresarial e apoio de veículos financeiros adequados. É importante relembrar que falhar empresarialmente é frequentemente encarado quase como um estigma, criando medo de arriscar e inibindo a inovação. Nos EUA, pelo contrário, o fracasso é visto como uma oportunidade de aprendizagem e crescimento, valorizando a experiência adquirida. Em suma esta diferença de cultura empresarial é transformadora, enquanto o medo limita a ambição em Portugal, a visão americana fomenta empreendedorismo, resiliência e inovação contínua. Mudar esta mentalidade poderia desbloquear grande parte do potencial das PME.
NOTA: Este artigo apenas expressa a opinião do seu autor, não representando a posição das entidades com as quais colabora