
O ioiô vai e vem. Nunca se perde o objeto do qual, momentaneamente, se separa. Ostenta-se e regressa ao ponto de partida. A bola tinha o mesmo comportamento com o pé esquerdo de Ricardinho, uma obediência cega perante o diferenciado tratamento que ele lhe prestava. Os exclusivos métodos para domar de maneira tão eficaz aquele peso que morre na quadra só Ricardo Braga os conhece.
Fazia vírgulas. Muitas, sempre em busca da maneira mais elegante de marcar. Uma correu o mundo, quando contornou um sérvio e rebentou com a baliza num Europeu. Agora, coloca um ponto final na carreira.
“Sempre disse que ia ouvir o meu corpo e a minha mente. Eles disseram ‘já chega’.” Aos 39 anos, o mágico arrumou a varinha na Cidade do Futebol. Acabaram-se os malabarismos. “A partir de hoje passo a ser uma lenda”, anunciou. “Nunca acreditei ter uma história tão bonita, mesmo que a tivesse sonhado.”
O futsal não era um dos assuntos que pensasse enquanto dormia. “Não escolhi o futsal. Queria ser jogador de futebol, mas negaram-me esse sonho porque disseram que era muito pequeno.” O talento ficou dentro de portas e, ladeado por paredes, fez-se seis vezes melhor jogador do mundo.
Na seleção, conquistou um Europeu (2018) e um Mundial (2021), ambas conquistas inéditas num país que chegou a reunir na mesma era os melhores do planeta nas quadras, nos relvados e nas areias. A vitória na Liga dos Campeões, em 2009/10, pelo Benfica, tornou-o ainda mais relevante no estrangeiro, estatuto que veio a reforçar quando se mudou para os espanhóis do Inter Movistar, “a melhor equipa do mundo”. Os últimos anos passou-os num périplo por França, Letónia, Indonésia e Itália. “Foram 13 anos fora a representar Portugal da melhor maneira.”
Também Ricardinho não escapou à passagem do tempo. “Uma criança de sete, oito anos, perguntou ao pai quem eu era. Aí, senti que essa geração não era a minha, que não viu o Ricardinho jogar. Faz parte. Não tenho que ficar preocupado. Vejo o carinho com que o meu pai fala do Eusébio, do Maradona e de todos esses atletas que foram grandes também. Outras gerações continuam a recordar o nome deles.”
Jorge Braz, selecionador nacional, chamou-lhe “o melhor de sempre”. Ricardinho não quer recolher o epíteto. Longe disso não andará.