A inteligência artificial (IA) já não é um jogo de protótipos nem um luxo reservado a visionários de Silicon Valley. No setor bancário, ela está a tornar-se rapidamente numa das linhas de fronteira entre quem se limita a sobreviver e quem está em posição de crescer. Ainda assim, segundo o mais recente estudo da Boston Consulting Group (BCG), apenas um em cada quatro bancos no mundo está a conseguir transformar a IA numa vantagem competitiva sustentável.

O retrato é desconfortável. Numa altura em que a tecnologia já redefine cadeias de valor inteiras — da indústria farmacêutica à logística — grande parte das instituições financeiras continua presa à fase experimental: projetos-piloto dispersos, casos de uso isolados, iniciativas que nunca chegam a escalar ou a integrar-se na estratégia central de negócio. É, como descreve Pedro Pereira, Managing Director e Senior Partner da BCG em Lisboa, um desperdício de oportunidade: “A Inteligência Artificial está a transformar rapidamente a forma como os bancos criam valor e se relacionam com os clientes. Contudo, a maioria destas instituições ainda não está a alinhar, de forma eficaz, esta tecnologia com a estratégia de negócio.”

O alerta não é académico. É estratégico. E vem acompanhado de um diagnóstico preciso: sem uma visão de longo prazo, a IA continuará a ser um investimento disperso, incapaz de gerar retorno significativo.

O estudo identifica três barreiras que, embora distintas, formam um bloqueio quase estrutural.

A primeira é a incerteza regulatória. Para 61% dos bancos, este é o maior entrave. A pressão por transparência e o receio de riscos reputacionais estão a tornar a adoção plena da IA num exercício de prudência extrema.

A segunda barreira é mais silenciosa, mas não menos paralisante: a ausência de métricas claras para medir o impacto da IA no negócio. Sem indicadores precisos, é difícil justificar investimentos, priorizar iniciativas e convencer a liderança a apostar em escala. Hoje, 60% das instituições ainda não definiram KPIs para esta tecnologia.

O terceiro obstáculo é humano. Dois terços dos bancos admitem dificuldade em recrutar especialistas em IA, e um terço não formou sequer 25% da sua força de trabalho para lidar com estas ferramentas. É uma lacuna que compromete não só a implementação operacional, mas também a utilização responsável da IA em áreas críticas como concessão de crédito, deteção de fraude e gestão de risco.

IA no centro, não na periferia

A BCG não se limita a apontar o problema. Propõe uma receita que, embora exigente, é clara:

  • Reformular a estratégia e colocar a IA alinhada com os objetivos centrais do negócio;
  • Colocar a IA no núcleo da arquitetura tecnológica, investindo em infraestruturas robustas e escaláveis;
  • Assumir uma governança proativa, envolvendo reguladores e garantindo mecanismos de auditoria;
  • Realinhar talento e responsabilidade, promovendo cultura orientada por dados e equipas multifuncionais.

Na prática, significa mudar o papel da IA dentro dos bancos: de ferramenta experimental para motor estrutural de criação de valor.

Investimento tecnológico: o paradoxo da manutenção

Um segundo estudo da BCG, “Tech in Banking 2025”, expõe outro paradoxo: embora os bancos destinem, em média, mais de 10% das suas receitas a tecnologia, mais de 60% desse montante vai para manutenção da operação corrente — o chamado run-the-bank — e não para transformação ou inovação (change-the-bank).

O resultado é previsível: a tecnologia mantém o banco a funcionar, mas não o torna mais competitivo.
Para desbloquear valor, será preciso simplificar operações, racionalizar produtos e libertar recursos para investir na personalização de serviços, automação inteligente e resiliência regulatória.

A IA é hoje um vetor de disrupção, mas também um fator de consolidação. Quem a dominar com visão estratégica, governança robusta e talento qualificado, poderá reduzir custos, aumentar margens e criar experiências de cliente muito mais sofisticadas.

A questão, como sugere a BCG, já não é se os bancos vão adotar IA. É quando e como.
Num mercado que se move em ciclos cada vez mais curtos, o luxo de não fazer nada está a esgotar-se.