
Ayona Dadiva Café nasceu há 35 anos no distrito urbano da Ingombota, município de Luanda, mas foi adoptada ainda recém-nascida pela renomada nacionalista, empresária, economista e política angolana Maria Mambo Café, também conhecida como “Tchyina”, que a educou com fortes valores sociais e visão empreendedora.
“Eu fui deixada recém-nascida na maternidade, encontraram-me com mais outros bebés na porta do hospital. Havia ali uma lixeira pertinho da maternidade. Na altura, uma das irmãs mais novas da minha mãe, que já faleceu e que era enfermeira da mesma maternidade, pegou nos bebés enquanto saía do turno e levou-os para dentro. Ela sabia que a irmã tinha o desejo grande de ser mãe. Então, contactou a irmã e, segundo me disseram, a Maria Mambo Café não se encontrava em Angola, pois estava numa missão diplomática fora do país. Ela aceitou e pediu para levar a bebé a casa”, começou por contar, à FORBES ÁFRICA LUSÓFONA, o triste início da sua história de vida.
Apesar de não ser a sua família de origem, Ayona Café diz ter sido bem recebida e amada pela sua avó, mãe e irmã, ao ponto de não saber nada sobre a história da adopção, mas cresceu ouvindo cometários e a receber um tratamento que a influenciou a ter algumas incertezas enquanto adolescente.
“Isso mexia muito comigo. Todo o mundo sabe que é uma fase muito complicada, nós estamos aí a nos descobrir enquanto pessoas, quem nós queremos ser e o nosso carácter. Eu usava a escrita como forma de escape. Na história que eu criava, havia um mundo, eu estava num mundo onde havia problemas, porém havia uma resolução rápida das novelas, era tudo perfeito”, narra.
Embora tenha sido criada no seio de uma família bem-sucedida e de lhe serem postas todas as condições, com o passar dos anos, foi-lhe incutido o hábito pelo trabalho, o costume de ser disciplinada, de conseguir o seu próprio pão, de conquistar a partir do zero, razão pela qual aos seus 20 anos abriu, em Luanda, uma boutique, que foi o seu primeiro negócio.
“Era uma boutique de artigos masculinos e lingeries femininas. Comecei por vender às minhas colegas da universidade, apesar de ter uma mesada. Posteriormente, juntamente com um sócio, abri um espaço físico no bairro Cassenda. Depois de alguns meses, passei a loja para um centro comercial no Lar do Patriota”, disse.
Apesar de ter sido o seu primeiro passo para a independência financeira e ter deixado os seus familiares e amigos muito orgulhosos, optou por encerrar a boutique, já que o fluxo de vendas não era tão alto. Entretanto, para manter o arrendamento do espaço, era obrigada a operar com preços muito altos, o que não lhe permitia alcançar o seu público-alvo.
“Gostaríamos de fazer muito mais e temos trabalhado em certas comunidades que precisam de mais”
Em Dezembro de 2013, após a morte de Maria Mambo Café, em Portugal, descobriu que era filha adoptiva. “Nós tínhamos uma relação tão próxima, que eu nunca tive a coragem de perguntar. Para mim, ela era uma grande mulher, um exemplo de força e de vida. Além disso, era uma pessoa que, mesmo doente, não deixou de trabalhar, de ajudar o próximo e não deixou de estar com a família”, lembra.
Tudo na sua vida começou muito cedo. Por exemplo, ingressou na Universidade Católica de Angola (UCAN) aos 16 anos, onde estudou Gestão Empresarial durante dois anos, mas decidiu mudar-se para a Universidade Gregório Semedo, por conta das dificuldades que teve com a disciplina de Macroeconomia 1.
“O que era mais estranho é que eu passava na macroeconomia 2 e 3, mas não saía da 1, e era assim com vasto grupo de estudantes, não era só comigo. Por ano só passavam dez a cinco estudantes, os exames eram sempre os mesmos. Fui à Universidade Gregório Semedo, onde estudei durante dois anos, terminei a minha licenciatura em 2013 e recebi o meu diploma em 2014. A minha mãe já não assistiu à minha licenciatura”, lamenta.
Terminada a sua formação superior, deu o primeiro passo concorrendo no Total Summer School. Foi seleccionada e informou a família de que foi admitida. Na verdade, queria um estágio, já que desejava fazer diferente das pessoas que estavam à volta da sua mãe, “que se habituaram a pedir favor”.
Durante o seminário em França, conheceu estudantes de outros países. Quando regressou a Angola, participou em mais duas entrevistas pela PwC, uma rede de firmas independentes e uma das maiores multinacionais de consultoria e auditoria do mundo, que estão presentes em 158 territórios, mas antes havia já feito alguns meses de estágio na empresa Mira Consultoria, onde trabalhava na área administrativa. Como queria um emprego mais sério, disse, acabou por ficar na PwC.
Com resiliência e foco na realização dos seus sonhos, em 2017, abriu um centro infantil com a mão-de-obra nacional. “Eram muito bem solicitados e tinham profissionais excelentes”, mas, infelizmente, com o surgimento da pandemia de covid-19, em 2020, Ayona teve de encerrar o centro.
Passados dois anos, em 2022, a jovem empreendedora, que diz ser firme nas suas convicções, principalmente por ter sido educada longe de holofotes para que pudesse aprender a caminhar sozinha, fundou a DevTest, uma empresa especializada em testes de software, desenvolvimento e consultoria, num investimento de mais de 80 milhões de kwanzas.
“Trabalhamos bastante para recuperar este valor investido dentro do payback (prazo de retorno) estabelecido no plano de negócios, que varia entre os primeiros três e cinco anos. Temos estabelecido parcerias importantes e temos quatro projectos em carteira. Neste momento, a empresa conta com dez funcionários efectivos e seis prestadores de serviços. Somos uma empresa que está ainda a começar, mas com passos certeiros e muito bem definidos”, garante.
Ayona considera que o sector tecnológico angolano deu um passo muito grande nos últimos anos, com vários investimentos feitos pelo Governo e pelo sector privado. “Temos o ANGOTIC, um evento que capta atenção de muitas empresas, traz tecnologias novas, dá abertura para os jovens que criam aplicativos e programas. Acredito que a aposta no sector tecnológico tem sido maior. Mas eu gostaria que houvesse mais aposta na mão-de-obra nacional”, defende.
Em Dezembro de 2022, ao analisar o défice nos transportes públicos em Luanda, abriu a Ayona’s Transporte, que considera ser um “serviço inovador” de transporte personalizado baseado em contratos, que tem vindo a “revolucionar” o sector.
“A Ayona’s Transporte surgiu quando pensei no facto de existirem pessoas que têm viaturas, mas que não gostam de conduzir, tal como eu. A ideia é também facilitar grupos de estudantes e trabalhadores a se locomoverem. Fazemos contratos mensais e semanais. Temos bastantes estudantes no município de Belas, sobretudo no Kilamba, e grupos de funcionários na Via Expressa. Temos ainda uma viatura que foi alocada numa escola de formação superior. Agora também chegamos com serviço de mototáxi para entrega e recolha de documentos”, avança.
Apaixonada pela escrita
Resiliente e sonhadora, Ayona define-se como sendo várias mulheres em uma só, tendo a maternidade como destaque. A residir actualmente em Portugal, mantém uma forte conexão com Angola, onde está a sua base de operações. Muito ligada à literatura, uma das suas grandes paixões, formou-se em Escrita Criativa, após o sucesso de seus primeiros livros, lançados tanto em Angola quanto em Portugal.
As obras de sua autoria incluem o livro infantil Sob o Luar da Rua 11 – O Meu Livro de Contos e Contos para Miúdos e Graúdos, o romance autobiográfico Diário no Feminino, e Mesa para Um: As 4 fases de uma separação, um romance de auto-ajuda.
Em 2023, destacou-se como uma das escritoras da lusofonia, colaborando em duas antologias portuguesas, nomeadamente Fragmentos de Saudade Vol. 1 e Entre o Sonho e o Sonho Vol. XV, ao lado de mais de 100 escritores.
“Diferente dos primeiros dois livros infantis – que abordam muito questões raciais, preconceito, empatia, valores morais, amizade e educação –, os meus livros adultos ensinam as pessoas a ter um propósito, que todo o mundo tem batalhas, ensinam a sermos imparciais na tomada de decisões e resilientes face a determinadas situações que acontecem nas nossas vidas”, aponta.
Ainda no campo literário, a empresária luso-angolana lançou no dia 11 de Outubro de 2014, na sede da Associação de Estudantes Angolanos em Portugal, a sua quinta obra literária, intitulada Vozes: Histórias nunca antes Contadas, com 94 páginas.
“É um livro um bocadinho diferente porque, normalmente, os meus livros estão ligados a uma vertente pessoal, mas neste eu conto as histórias de outras pessoas, desde histórias alegres, tristes e surpreendentes. Este livro não é apenas um tributo à resiliência, mas também à liberdade de explorarmos os nossos desejos mais ardentes e libertarmos o nosso animal interior”, explica.
Mãe de três filhos, o espírito empreendedor da mulher, que nos tempos livres pratica dança, bachata e high heels com a filha de 8 anos, dançarina há quatro anos que faz trabalhos para a TV, e que aproveita para acompanhar os dois filhos nos torneios de futebol, reflecte-se também na área social, tendo fundado o projecto Maria Mambo Café (MMC), com o objectivo de apoiar comunidades carentes em áreas como a educação e o desporto.
“O projecto MMC é um trabalho de continuidade ao trabalho social que a mãe sempre fez. Sem quaisquer vínculos políticos, as doações a hospitais, comunidades e bibliotecas são feitas por mim, pela minha irmã e por amigos próximos. Gostaríamos de fazer muito mais e temos trabalhos em certas comunidades que precisam de mais. Mas é algo que seria possível se mais pessoas e ou empresas contribuíssem. Nós temos uma página no Instagram, e quem quiser pode lá ir e ver”, convida.
Ayona Café tem sido convidada para palestras e programas de TV e rádio, em Angola e Portugal. Em 2023, foi uma das oradoras principais na 7.ª edição do evento Chá de Beleza Afro em Lisboa, onde abordou temas como “A Infertilidade e o Poder da Escrita como Cura”.