É a primeira e última vez que será tratado pelo nome verdadeiro neste texto. Bruno Sorreluz recebe A BOLA no Cantinho do Sá, esquina da Alameda das Linhas de Torres com a Rua António Stromp, e antes de conseguir sentar-se à mesa para uma rara pausa no trabalho dá atenção a uma visita especial nesse dia de semana tão útil e normal como qualquer outro: o filho de Fernando Peyroteo, Fernando como o pai, fora levado a conhecer o restaurante por uma amiga comum de longa data.

O restaurante de Bruno Sá (avisámos) conquistou, em apenas sete anos (dois dos quais em pandemia) um estatuto similar a um núcleo do Sporting, entre as várias centenas espalhadas pelo País e pelo Mundo. É um núcleo especial e goza de uma vantagem sobre todos os outros: está a poucas dezenas de metros do Pavilhão João Rocha e não mais de centena e meia do topo Norte do Estádio José Alvalade.

«Existia aqui uma casa emblemática, o restaurante Lumiar. Foi começando a perder clientela. Eu fui sempre ligado ao Sporting, moro aqui no Lumiar e acabei por decidir, em 2018, abrir um restaurante aqui perto do estádio. Passou pouco tempo, mas acaba por ser, hoje, uma casa emblemática de sportinguismo», explica Bruno Sá.

A importância de Sá Pinto

Vamos daqui a nada ao nome do restaurante e à forma como Bruno é conhecido entre a comunidade. Mas antes percorremos de uma penada o passado verde e branco do dono do Cantinho: Bruno, de 44 anos, foi praticante de ginástica e jogador de basquetebol do Sporting; foi membro da Juventude Leonina «no tempo em que os jogadores de futebol estavam com os adeptos, saíam da porta 10A para o campo de treinos e voltavam ao estádio sempre pelo meio da malta».

Muito antes de abrir o restaurante, ainda nos tempos da claque, a admiração extrema pelo antigo jogador e treinador leonino Ricardo Sá Pinto deu a Bruno a alcunha de . Quando tomou conta do espaço, e porque como já vimos fica numa esquina, lembrou-se do célebre canto direto de Morais que deu a Taça das Taças de 1964 aos leões. Foi juntar o cantinho à alcunha e está explicado o nome do restaurante.

«Quando abri a casa já tinha uma série de camisolas e adereços que fui guardando dos tempos de adepto, mas isto depois foi crescendo... O pessoal das modalidades passou a frequentar o restaurante com assiduidade, a palavra foi passando e até o Ronaldo já me mandou uma camisola», conta Bruno Sá enquanto vai apontando este e aquele objeto nas paredes (e no teto) do Cantinho. Há camisolas de todas as modalidades, quadros, cachecóis, dedicatórias, muitas sapatilhas (estas sim penduradas no teto). Um autêntico museu vivo do Sporting, que não engana quem entra quanto à preferência clubística do proprietário.

Escusado será dizer que o próprio Sá Pinto já esteve no Cantinho e existe camisola do ídolo numa das paredes. Assim como uma chuteiras de Pelé, por exemplo. Cedeu-as o magriço Carvalho, antigo guarda-redes sportinguista que defrontou o astro brasileiro.

A família benfiquista

Se a reportagem de A BOLA fosse um programa de TV em direto, provavelmente o espectador acharia que está tudo combinado. Mas não está. Enquanto Bruno Sá vai contando a história do restaurante, entra uma família de cinco pessoas, quatro das quais com camisolas do Benfica. Almoçam e há muitas risadas e boa disposição com avós, pais e neto de uma família emigrante nos Estados Unidos, de raiz açoriana.

«Não é preciso muito para saber o meu clube, basta entrar, mas obviamente toda a gente é bem tratada aqui! A única coisa que faço questão é que quando entram aqui com alguma coisa do Benfica levem sempre também algo do Sporting. Como sabemos, não há problema em trocar para melhor! Até há bem pouco tempo tinha aqui umas máscaras do Gyokeres e entregava uma a qualquer crianaça até aos cinco anos», conta Bruno.

A mágoa com a saída do goleador não é para aqui chamada, embora se perceba que as sobras do stock de máscaras não mais servirão de cartão de visita do Cantinho do Sá.

É dia de jogo...

O Cantinho do Sá tem capacidade para 100/110 pessoas. Em dia de jogo, Bruno organiza turnos rotativos de duas horas para refeições desde cedo — «é trabalhar das 11 à uma da manhã». Mas tem seguranças na entrada e só se entra com marcação. Existe também, quando a equipa de futebol joga em casa, serviço ao postigo para venda de cerveja e bifanas. O resto passa-se na Rua António Stromp, onde «de vez em quando há um ou outro problema com adeptos adversários, sobretudo em clássicos das modalidades».

«Gostava de poder garantir a segurança na rua também, mas não está ao meu alcance», diz Bruno, satisfeito com a decisão pós-pandemia de colocar segurança à porta. «No início tive dois ou três problemas, mas depois de ter controlo de entradas nunca mais houve nada cá dentro. E eu quero que os meus clientes se sintam tão seguros em dia de jogo como nos outros dias todos da semana.

Volta, equipa...

Em dia de jogo de futebol em casa, Bruno Sá estima que passem pelo Cantinho «cerca de duas mil pessoas». É também por isso que está ansioso pelo final das obras em Alvalade e consequente regresso da equipa a casa.

«A diferença entre ter tido aqui o jogo dos Cinco Violinos [frente ao Villarreal, primeiro da época em casa] e ter sido realizado no Jamor representou, para mim, uma faturação 20 vezes menor!», exclama Bruno Sá, ansioso para que a receção ao Arouca, na 2.ª jornada, já se realize ali ao lado.

Como o próprio diz, é algo que não pode controlar. O que vai continuar a fazer, por certo, é receber adeptos de desporto, treinadores, dirigentes. E a fazer parte, quer queira quer não, de uma rede de fóruns informais sobre a vida do Sporting. «Aqui não há política, entram todos os que quiserem. Pena o futebol estar agora mais longe e não haver oportunidade de os jogadores também conviverem connosco, como nos tempos dos treinos em Alvalade»...

Se já houvesse o Cantinho, é certo que haveriam de parar por aqui também.