
Haverá poucos serviços mais valiosos hoje em dia do que a atenção de alguém. Boa parte das novas ideias, inovações e alocação de recursos procuram ser uma seta bem apontada para algo aparentemente tão simples, mas tão inestimável num mundo incessante.
O ténis não está totalmente absorto dessa realidade. É difícil defender que é necessário encurtar encontros quando um dos mais inesquecíveis momentos desportivos de 2025 foi uma final de Roland-Garros que durou cinco horas e meia e que terá feito mais pela modalidade do que mil e um outros planos e intenções supostamente adequados à “nova audiência”, mas há caminho para desbravar por outras vias e chamar mais gente para assistir. E o US Open deste ano traz uma novidade sistémica: o torneio de pares mistos levou uma imensa cambalhota, deixando de ser um feudo para especialistas de duplas, com a organização a optar por chamar os melhores jogadores de singulares para um evento inovador de dois dias, cuja primeira ronda acontece já esta terça-feira, na semana que antecede o início oficial do último torneio de Grand Slam do ano.
Entre as 16 equipas, está lá Carlos Alcaraz, que fará uma dupla que é o sonho de qualquer marketeiro, com a britânica Emma Raducanu. Está o número 1 mundial, Jannik Sinner, para já ainda em prova depois do colapso físico que obrigou-o a desistir na segunda-feira na final de Cincinnati (é natural que, antes da estreia com Kateřina Siniaková, o italiano possa abdicar). Há um dupla sérvia constituída por Novak Djokovic e Olga Dalinovic. Iga Swiatek terá como colega Casper Ruud, enquanto o par Naomi Osaka-Gael Monfils promete dar show. A única dupla verdadeiramente especialista é constituída pelos campeões do ano passado, os italianos Sara Errani-Andrea Vavassori, que pouco contam para efeitos mediáticos.
Há regras próprias, mas tudo aqui é oficial: a vitória na final vale um título do Grand Slam. Mas o chamariz para os grandes nomes não é diferente do de um torneio de exibição: muito dinheiro. Quem vencer a final de quarta-feira divide 1 milhão de dólares de prize money - cerca de €850 mil. Há um ano, a dupla vencedora nos pares mistos ganhou 200 mil dólares, a dividir por dois, pouco mais de €170 mil.
Errani, uma das maiores especialistas em pares do Mundo, vencedora de 10 títulos em torneios do Grand Slam na variante de pares, dois deles nos mistos, não colocou travão nas críticas ao novo formato, numa entrevista à agência Associated Press, fazendo-o com uma curiosa analogia. “É como se, nos Jogos Olímpicos, não tivessem atletas do salto em altura e em vez dele colocassem jogadores de basquetebol a competir no salto em altura, só porque é mais ‘interessante’”, apontou a italiana, que defende que o vencedor deste torneio não devia ser considerado campeão de um Grand Slam.
“Não podes dar um troféu de vencedor de um torneio de pares sem deixar que jogadores de pares façam parte. Estás a excluí-los da sua modalidade. É desonesto”, atirou ainda a jogadora de 38 anos, que precisou de um wild card da organização para ter a oportunidade de defender o título conquistado em 2024. Em comunicado, Errani e Vavassori sublinharam que “tomar decisões seguindo apenas a lógica do lucro é profundamente errado”, apontando o que consideram ser “uma injustiça que desrespeita uma categoria inteira de jogadores”, tudo por causa de uma “pseudo-exibição focada no entretenimento e no espectáculo.”
Já normalmente olhados como jogadores de segunda face aos grandes campeões em singulares, os jogadores que se dedicam aos pares sentem-se ainda mais colocados de parte. Jan Zielinski, outro especialista com títulos na categoria, usou o Instagram para lamentar o facto de não ter existido “qualquer consulta” aos tenistas: “Parece que vencer dois títulos do Grand Slam nos pares mistos num ano não é o suficiente para conseguir um convite para o US Open. Muito obrigada por tirarem a oportunidade de competir de forma justa para todos”. Já Ellen Perez usou ironia mordaz. “Digam-nos que acreditam que os jogadores de pares são lixo, que a tradição é subestimada e que as oportunidades de trabalho são coisa do passado sem de facto dizerem”, escreveu, retuitando uma publicação do US Open no X, que apresentava o novo formato.
À Eurosport francesa, Kristina Mladenovic, antiga número 1 de pares, confessou que é “embaraçoso” ouvir participantes no torneio a dizer “que vão divertir-se enquanto se prepararam para o US Open”.
“Um Grand Slam não é uma preparação ou um divertimento, são anos de sacrifício. Quando és mais novo, sonhas em ganhar um, mesmo em pares. Não quero ver o meu desporto a tornar-se num espectáculo gigante, mesmo que traga muito dinheiro”, reforçou a tenista gaulesa.
E muito dinheiro, de facto, trará. Taylor Fritz, que fará uma fortíssima dupla com Elena Rybakina, justificou a participação com o facto da prova contar como um verdadeiro Grand Slam. “E o prize money é fantástico. Estamos a 100% lá para tentar ganhar”, reforçou. Frances Tiafoe, que estará com Madison Keys, confessou a verdade inconveniente. “Olhando para os prémios toda a gente ficou tipo ‘nós vamos, independentemente de tudo’.”
A diretora do US Open, Stacey Allaster, diz ter “empatia” para com as queixas dos especialistas em pares. Porém, outros valores parecem falar mais alto: “Sabemos que quando os fãs veem os melhores jogadores a competir isso vai inspirar mais gente não só a virem aos torneios como a jogar ténis. E isso, no final, vai ajudar a modalidade a crescer”, apontou, citada pelo site Tennis.com.
Allaster ainda sublinhou, fortemente, o carácter oficial da prova. É um torneio do Grand Slam, não uma exibição. Mas até as próprias regras parecem mais saídas de uma prova à parte. Assim, os encontros serão decididos à melhor de três sets, com cada set a ir apenas aos quatro jogos e não aos seis como habitualmente. Não haverá vantagens, com a dupla a conseguir os quatro primeiros pontos a ganhar o jogo. E em caso de empate em sets, o terceiro set será um super tiebreak. O sucesso da iniciativa, já se sabe, será medido em atenção e não em qualidade tenistica.