O número é assustador: entre 2010 e 2025, arderam em Portugal um total de 1,97 milhões de hectares. E se o número em bruto não chega, para que se tenha uma noção da área ardida, a floresta ocupa cerca de 3,3 milhões de hectares, o que corresponde a aproximadamente 36% do território nacional. Ou seja, o que ardeu nestes 16 anos equivale a cerca de 60% da área florestal do país.

Não arde tudo ao mesmo tempo claro, mas há um padrão nas paisagens que vêm sendo afetadas. E se o Centro é "o maior reservatório de carbono na floresta em Portugal continental", com a floresta a estender-se por mais de um milhão de hectares, o que equivale a perto de 40% daquela região, é também a área mais vulnerável ao fogo.

Só neste ano, seguindo os números do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), até ao dia de hoje arderam já 234 mil hectares, um volume só superado no fatídico ano de 2017, com 537.142 hectares feitos em cinzas e 114 mortes a lamentar. Neste ano, ainda nem agosto chegou ao fim e além da segunda maior área ardida já se contam oito mortes devido ao fogo. A região com mais pinheiro-bravo e eucaliptos (espécies dominantes, ocupando mais de 80%), mas onde se fixam também mais de 40 mil hectares de sobreiros e 20 vezes mais terreno coberto por mato e pastagens, é igualmente a mais consumida pelas chamas. Nos últimos dez anos, só nos distritos de Coimbra (113.839 ha), Viseu (104.371 ha) e Castelo Branco (101.912 ha), mais de 320 mil hectares foram transformados em cinzas.

Onde arde Portugal
Onde arde Portugal Fonte: ICNF (Maiores fogos por ano e distrito). Créditos: SAPO

Menos fogos, mas piores

Verão após verão, o cenário repete-se com mais ou menos gravidade e se o número de fogos ateados tem vindo a cair consistentemente, com o maior êxodo do interior e abandono das terras, a sua gravidade tem vindo a escalar. Basta ver que, nos primeiros anos da década passada, o ICNF contabilizava quase sempre à volta de 20 mil fogos, valor que, nesta década tem ficado quase sempre abaixo de 8 mil ocorrências.

A proporção de área ardida, infelizmente, é inversamente proporcional: entre 2011 e 1015 arderam em média 87 mil hectares/ano; de 2021 a 2025 (de novo, com agosto ainda a pouco mais de meio) a média está já perto dos 110 mil hectares.

Fogos e área ardida (ha)
Fogos e área ardida (ha) créditos: SAPO

Fogueiras, queimas e crime

Mas afinal qual é a causa de tantos incêndios? Em resumo, falta de cuidado e intenções criminosas. É verdade que o fogo posto tem um peso assinalável nas principais causas de fogo no país, mas há outro fator de ignição que persistentemente fica no topo das causas de incêndio: as queimas e queimadas.

Todos os avisos e alertas de risco extremo não têm sido capazes de demover quem toda a vida usou o fogo para destruir sobras agrícolas e florestais, tão pouco para desincentivar aqueles que não veem como um mero churrasco de verão pode constituir um perigo assinalável. Seja para gestão de pasto ou para fazer face a sobrantes agrícolas ou florestais, ou meras fogueiras e churrascos que fogem ao controlo de quem os acende, cerca de 40% dos incêndios são provocados por queimas e queimadas, com os incendiários a representar outros 30%.

Causas naturais, como as trovoadas secas que em 2017 tiveram um efeito devastador, são, ainda assim, bastante raras: representam meros 2%.

Causas dos incêndios
Causas dos incêndios créditos: SAPO

Povoações e áreas de mato com maior prevalência

Quanto ao tipo de terrenos que mais arde, as áreas cultivadas têm conseguido ficar mais ou menos resguardadas, face a povoações e zonas de mato. À exceção de anos extraordinários, como 2017 e este mês de agosto, os terrenos agrícolas ardidos ficam, normalmente, aquém dos 8 mil hectares. Neste ano, porém, já se perderam mais de 30 mil hectares; pior, só no ano de Pedrógão, quando se acumularam perto de 40 mil hectares de cinzas neste tipo de território.

Tradicionalmente, são as zonas em que há povoações as mais afeadas pelo fogo — confirmando-se a tendência pelas principais causas que têm dado origem a incêndios, as de intervenção humana. Mas os locais com muita vegetação e mato são igualmente vulneráveis. Tomando os fogos registados pelo ICNF nos últimos dez anos, mais de metade dos cerca de 140 mil hectares que desapareceram ficavam em zonas de povoações, 38% eram matas e apenas 8% correspondiam a áreas de cultivo.

Incêndios por tipo de terreno
Incêndios por tipo de terreno créditos: SAPO