
A esperança de vida em alguns países do mundo aumentou significativamente nas últimas décadas, com previsões a chegar aos 100 anos no início do século XXI. Sendo assim, o grande desafio da pediatria desse milénio passou a ser a prevenção das doenças crónicas não transmissíveis (DNTs) do adulto e do idoso, que na sua maior tem raízes na infância, ou mesmo na vida intrauterina.
Os “primeiros mil dias de vida” – ou seja, os 270 dias de gestação e os dois primeiros anos de vida do bebé – tornou-se o período conhecido como o mais relevante na prevenção das DNTs, uma vez que os fatores epigenéticos neste período podem influenciar cerca de 80% dos genes do indivíduo prevenindo programações metabólicas desfavoráveis.
De entre as principais DNTs podemos citar: hipertensão, doenças cardiovasculares, obesidade, asma, diabetes, cancro, doença da cárie dentária e doença periodontal. Talvez surja a surpresa: Estas duas últimas fazem parte do grupo de doenças crónicas não transmissíveis? E estão agrupadas junto com doenças que podem levar o indivíduo a óbito em idade adulta? A resposta é: sim e a razão é simples.
Todas estas doenças apresentam fatores de risco comuns. Os açúcares adicionados à dieta dos indivíduos podem aumentar o risco para todas essas enfermidades. O facto é 10que as doenças bucais ocorrem décadas antes de outras DNTs de maior mortalidade, por isso o dentista pode ser visto como protagonista na identificação dos fatores de risco e sinais precoces de DNTs.
O trabalho do médico dentista deve ter início com o programa pré-natal odontológico, composto por duas etapas. Na primeira, orientará a grávida em relação às principais alterações que podem ocorrer na sua cavidade bucal devido à gestação. Nesta etapa, é importante realizar um rastreio para doença periodontal, uma vez que pode aumentar o risco para complicações obstétricas como prematuridade, baixo peso ao nascimento e pré-eclâmpsia. Além disso, há relatos de gestantes que sofrem complicações que têm origem em problemas dentários diversos não tratados.
Na segunda fase do pré-natal odontológico, que deve acontecer por volta da 32a semana, o dentista deve orientar a grávida em relação aos cuidados com a saúde bucal de seu bebé assim que nasça e até que realize a primeira consulta odontológica. Nesta etapa, é fundamental informar os pais sobre a promoção e proteção do aleitamento materno, a introdução da sacarose a partir do segundo ano de vida da criança e discutir tópicos como o uso dos bicos artificiais, sinais e sintomas de irrupção dentária e o frenulum lingual.
Nos últimos anos, diversas publicações científicas têm provado que o processo pré-natal odontológico é essencial na prevenção do aparecimento de cáries na primeira infância, o que reforça a ideia do dentista como protagonista no processo de identificação de fatores de risco que possam contribuir para desenvolvimento de DNTs.
Em todo o mundo, há muitos mitos e falsas informações que alimentam a baixa adesão das gestantes a estes programas. Há necessidade de maior capacitação profissional para esta abordagem, começando talvez por uma atualização curricular nas faculdades de medicina dentária e, sobretudo, por uma maior divulgação dos benefícios desta prática nas media e fóruns de discussão em saúde.
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