Foram 64.500 os espectadores que decidiram presenciar, ao vivo e a cores, o Benfica a carimbar o passaporte para o play-off da Champions, de uma forma que não deixou dúvidas a ninguém, dando sempre a sensação de que, cada vez que metia mais velocidade no jogo, esboroava a estrutura atrasada de um Nice que vale mais pelos desdobramentos ofensivos do que pela solidez defensiva. 

O jogo começou como se esperava, com uma entrada forte do Nice, à procura de um elemento que pudesse lançar dúvidas na equipa de Bruno Lage. Aliás, os dez primeiros minutos do encontro, em que a equipa do sul de França ainda pregou um susto, a Trubin (3 minutos), que resolveu bem o problema, mostraram um Benfica que só parecia ter pressa em não ter pressa, a sair a jogar de trás, lentamente, como que se tivesse preguiça em pegar nas operações. Este estado letárgico acabou com dois ou três safanões no jogo de Schjelderup, algumas vantagens numéricas ganhas por Aursnes, em incursões da direita para o meio, e uns quantos passes bem medidos de Barrenechea, que tem vindo a subir de produção de jogo para jogo. 

Assim, quando Aursnes, aos 18 minutos, a passe do compatriota Schjelderup (grande abertura de Barrenechea para o norueguês), colocou o Benfica na frente, as eventuais esperanças do Nice caíram por terra, e a partir desse momento o conjunto da Côte d’Azur passou a ter como objetivo principal sair da Luz com um resultado que não fosse humilhante. Para agravar a situação dos gauleses, aos 27 minutos, de um entendimento espetacular, na direita, entre Dedic e Aursnes surgiu o 2-0 por Schjelderup: com quatro golos de vantagem, as preocupações europeias do Benfica viraram-se para o Fenerbahçe, que promete outro tipo de luta, tendo com o Nice a semelhança de ser melhor a atacar do que a defender. 

Já com 2-0, o Nice ainda teve um remate espetacular de Clauss (30), que embateu no ferro direito da baliza de Trubin, e Ivanovic podia ter reforçado a vantagem encarnada, a passe de Pavlidis (45+1). Mas uns e outros já sabiam qual o destino da eliminatória. 

Quinze minutos 'chatos'

O primeiro quarto de hora da segunda parte foi um tédio, o Benfica a fazer de conta que atacava, mas apenas a trocar a bola em zonas recuadas, e o Nice a fazer de conta que pressionava, mas sobretudo preocupado em não desguarnecer a defesa. Este anticlímax para os adeptos do Benfica terminou aos 62 minutos, quando Schjelderup fez a bola embater na barra da baliza do Nice e, como que a aproveitar a embalagem, logo de seguida, Bruno Lage mandou para o campo Prestianni (Schjelderup), Barreiro (Ivanovic) e Florentino (Barrenechea). Muito por obra e graça do jovem argentino, o Benfica despertou e arrancou para alguns minutos de futebol solto e alegre, que desmontou peça a peça a defesa contrária. Mas a verdade é que a qualidade do último passe deixou muito a desejar, o que permitiu a Franck Haise operar três mudanças, de tração traseira, que ajudaram a reequilibrar o Nice.  

Os minutos finais, já com Henrique Araújo em jogo (porque fez Ríos os 90 minutos, quando estava em manifesta perda a partir dos 75 minutos?) regressaram ao registo do começo da segunda parte, com toda a gente a olhar para o relógio, à espera que a função terminasse. 

Benfica diferente

Cada jogo tem a sua história e a deste ficou marcada pelo resultado de Nice. Foi por isso que o Benfica, apesar de ter apostado no mesmo onze de França, apresentou dinâmicas muito diferentes, conservadoras, apostando numa estratégia que passava por chamar o adversário e depois tentar feri-lo nas costas dos defesas. Poder-se-á dizer que Bruno Lage foi pragmático, limitou esforços numa altura da época, como disse, em que está a fazer a preparação da equipa em jogos oficiais, mas este não é o figurino que melhor se adapta ao Benfica. Por várias razões: não só menoriza muito o papel do playmaker, Richard Ríos, que perante a consistência de Barrenechea ficou sem terrenos para pisar, como, sobretudo, aproveita mal o potencial da dupla Pavlidis-Ivanovic, mais talhada para um futebol com maior elaboração, velocidade nas transições e serviços das alas menos telegrafados.

É verdade, e se calhar isso era o mais importante, que o Benfica em momento algum teve a eliminatória em risco. Mas o potencial desta equipa não está na contenção, mora na proatividade, e Lage tem jogadores capazes de fazer pressão alta (raramente se viu), e meios para a equipa não ser obrigada a fazer uma dúzia de passes entre os defesas e o guarda-redes, até que este meta a bola na frente à espera que Pavlidis imponha o físico e a técnica.  

Deste jogo, que confirmou o 4x4x2, resultaram alguns dados merecedores de especial atenção: o primeiro tem a ver com a crescente confiança de Schjelderup, que está no seu melhor momento de águia ao peito; o segundo, com a capacidade de Barrenechea para passes precisos de 30 e 40 metros, algo que ainda não tinha sido visto; o terceiro, a fome de bola de Prestianni, rápido e muito técnico, que pode ser, ao seu estilo, um espalha-brasas como Francisco Conceição ou Daniel Podence; o quarto, a forma imperial como Otamendi manda na equipa e se impõe a toda a gente dentro do campo; e o quinto o regresso de Arkturkoglu, em vésperas do duelo com o Fenerbahçe. São notas finais de uma eliminatória com alguma história mas sem dúvidas. A manta do Nice, d efacto, é demasiado curta para este Benfica.