
Donald Trump e Vladimir Putin estiveram reunidos, com as suas respetivas delegações, ao longo de quase três horas, mas esse tempo não foi suficiente para que chegassem a qualquer acordo sobre o tema principal que os levou ao Alasca: um caminho para a paz, ou pelo menos para um cessar-fogo na Ucrânia.
Trump tinha dito que ficaria “desapontado” se não conseguissem, pelo menos, essa pausa nas hostilidades. Não conseguiram. As expectativas eram baixas, mas mesmo assim a desilusão perante a ausência de qualquer acordo foi quase palpável nas análises que se seguiram.
Não há sequer uma data para uma próxima reunião, apenas um pedido de Putin: “Da próxima vez, em Moscovo.” Trump disse “nim”. Poucas horas antes do encontro, especulava-se que o Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, pudesse ser convidado a juntar-se aos seus homólogos no Alasca, e que a cimeira pudesse ser prolongada. À luz do que se sabe agora, nada parece mais inverossímil do que essa esperança ter chegado a existir. Não houve almoço a seguir à reunião, como estava planeado, o que também parece mostrar que as coisas podem não ter corrido assim tão bem. Este é apenas o primeiro passo, um passo muito curto.
Os ucranianos já se tinham mostrado céticos em relação a este encontro e Zelensky passou os últimos dias a avisar que Putin não está interessado na paz. Com esta reunião, consegue mais uma vez ganhar tempo para continuar a ofensiva a leste e também, até ver, uma pausa na intenção de Trump em impor sanções secundárias aos países que continuam a manter relações comerciais com a Rússia, um dos maiores perigos — e por isso também uma das maiores vantagens diplomáticas de Trump — para Putin, que assim parece ter-se conseguido esquivar de mais este golpe que não o chegou a ser.
Nas principais avenidas de Anchorage, uma cidade democrata num Alasca republicano, dezenas de pessoas reuniram-se para mostrar ao líder russo que a sua visita a solo norte-americano não agrada a toda a gente. Chegaram a ser mais de 500 os manifestantes reunidos perto do lugar da cimeira, com bandeiras da Ucrânia, muitas t-shirts azuis e amarelas, as cores nessa bandeira, e muitos cartazes com mensagens de apoio a Kiev.
Putin foi o primeiro a falar na conferência de imprensa sem direito a perguntas dos jornalistas. Como é seu hábito, começou por uma lição de História, ao lembrar uma época em que Rússia e os Estados Unidos estiveram do mesmo lado: a Segunda Guerra Mundial. A célebre ponte aérea entre a Sibéria e o Alasca forneceu à União Soviética material essencial na guerra contra a Alemanha nazi.
A Universidade de Chicago contabilizou a impressionante ajuda norte-americana entre 1941 e 1945: quase 15.000 aviões, 7.000 tanques, 51.000 jipes, 376.000 camiões, 132.000 metralhadoras, 4,5 milhões de toneladas de alimentos, 107 milhões de toneladas de algodão e mais de 15 milhões de pares de botas militares. “Era uma rota perigosa e traiçoeira sobre a imensidão gelada, mas os pilotos de ambos os países fizeram tudo para aproximar a vitória. Arriscaram as suas vidas e deram tudo pela vitória comum”, relembrou Putin. O Presidente russo admitiu que, mais recentemente, as relações entre os dois países caíram para o seu ponto “mais baixo desde a Guerra Fria” mas que, “mais cedo ou mais tarde”, ambos teriam de “corrigir a situação e passar da confrontação ao diálogo”. Um encontro pessoal entre os dois chefes de Estado “já se justificava há muito”.
Depois desta introdução, o líder russo passou para o dossiê mais sensível, a Ucrânia, mas o seu discurso sobre o tema não parece ter sofrido qualquer alteração com este encontro. Putin continua a falar das “causas originais” para este conflito, que, segundo já disse outras vezes, se prendem com a aproximação da Ucrânia à NATO e de como isso está “ligado” a “ameaças fundamentais à segurança” da Rússia. Putin deu a entender que Trump está consciente destes problemas, uma frase que os ucranianos não podem ter ficado muito felizes ao ouvir, uma vez que, para eles, a intenção de Putin é conquistar todo o país, que vê como parte integrante da Rússia e não como nação soberana, e depois toda a Europa numa espécie de remake dos feitos de Catarina e Pedro o Grande. "É preciso considerar todas as preocupações legítimas da Rússia e restabelecer um equilíbrio justo de segurança na Europa e no mundo como um todo”, frisou.
O chefe de Estado russo disse — e também isto é um ponto constante nas suas intervenções públicas — que a nação ucraniana é “um povo irmão”, outra frase de causar arrepios aos ucranianos que todos os dias veem centenas de drones e rockets russos aterrar em cima de prédios de habitação e infraestruturas civis. “Por mais estranho que possa parecer nestas circunstâncias, temos as mesmas raízes e tudo o que está a acontecer é, para nós, uma tragédia e uma ferida terrível", disse.
Trump sem resposta
A Ucrânia tem pedido que se estabeleça um mecanismo para garantir que, depois de um cessar-fogo, os russos não volta a atacar — e Putin diz que concorda com essa necessidade. “Concordo com o Presidente Trump quando disse hoje que, naturalmente, a segurança da Ucrânia também deve ser assegurada. Estamos dispostos a trabalhar nesse sentido. Espero que o acordo que alcançámos em conjunto nos ajude a aproximar desse objetivo e abra o caminho para a paz na Ucrânia”. Mas deixou um aviso: “Esperamos que Kiev e as capitais europeias encarem isso de forma construtiva e que não tentem sabotar os progressos iniciais através de negociações paralelas ou provocações”.
Mesmo sem acordo, Trump podia ter mencionado a importância da presença de representantes ucranianos em reuniões que abordem o futuro do país ou o direito à integralidade territorial, que a lei internacional confere a todos os países soberanos. Ficou quase tudo por dizer.
Enquanto os ucranianos, a meio da noite, pegam nos seus pertences e nos seus filhos e correm para os abrigos subterrâneos, Putin alonga-se em metáforas, sem se comprometer com nenhuma ação que possa ajudar a um futuro pacífico. “É simbólico que, não muito longe daqui, na fronteira entre a Rússia e os EUA, exista o chamado limite internacional, onde se pode literalmente passar de ontem para amanhã. Espero que consigamos fazê-lo”, disse o Presidente russo.
Trump não respondeu a nenhuma das provocações de Putin, até porque o líder russo fechou a sua intervenção com uma crítica a Joe Biden. “Recordo que, em 2022, durante o último contacto com a Administração anterior, tentei convencer o meu colega americano de que a situação não deveria chegar a um ponto de não retorno que levasse a hostilidades. (...). Hoje, quando o Presidente Trump diz que, se tivesse sido Presidente na altura, não teria havido guerra, estou bastante certo de que assim seria.”
Quando Biden se encontrou com Putin em Genebra, em 2021, optou por não comparecer ao seu lado na conferência de imprensa, preferindo responder a perguntas sozinho. Isto foi, em parte, um esforço para negar a Putin um palco para manipular as conversas.
Relação entre Putin e Trump sai reforçada
A emissão começou com as câmaras de todo o mundo focadas em Trump enquanto este batia palmas de antecipação à chegada a Putin. Encontram-se frente a frente depois de mais seis anos. Sorrisos mútuos, rasgados, um aperto no antebraço, outro. Trump toma a mão de Putin e dá-lhe umas palmadinhas afetuosas. Na pausa para fotos, uma jornalista grita: “Presidente Putin, vai parar de atacar civis?” Putin finge não entender, vira-se para Trump, encolhe os ombros e ambos entram sorridentes no mesmo carro. Normalmente, só no fim de uma reunião é que os principais intervenientes se deixam fotografar juntos.
Numa curtíssima resposta à declaração de Putin, Trump começou por dizer que a reunião foi “produtiva”, ainda que sem resultados. “Houve muitos pontos em que concordámos, incluindo alguns muito importantes. Ainda não chegámos a acordo sobre um ponto crucial, mas avançámos bastante. Não há acordo até haver um acordo.” E com estas palavras encerrou o assunto Ucrânia, passando depois para realçar as boas relações que sempre teve “com o Vladimir”.
O tema da interferência russa nas eleições dos Estados Unidos voltou ao palco central, depois de se ter tornado escândalo mundial quando Trump, da última vez que se tinha encontrado com Vladimir Putin presencialmente, ter escolhido acreditar neste em vez de nos relatórios dos seus serviços secretos. Aparentemente, ainda pensa o mesmo. “Infelizmente, fomos prejudicados pela farsa ‘Rússia, Rússia, Rússia’, o que dificultou a cooperação, mas ele [Putin] percebeu. Sabíamos que era uma farsa, que o que foi feito foi criminoso, mas ele percebeu”, disse Trump. “Tivemos bons encontros, produtivos, ao longo dos anos, e esperamos continuar a tê-los no futuro. Mas vamos agora ter os mais produtivos de todos. Vamos parar os milhares de mortos todas as semanas. O Presidente Putin quer isso tanto quanto eu”, finalizou, afastando-se do pódio logo depois de Putin, deixando centenas de jornalistas a atirar perguntas que nunca tiveram resposta.
Nas redes sociais, os ucranianos, que há mais de dez anos lidam com a constante violência dos ataques russos sobre as suas cidades, não esconderam a estranheza de ver um país como os Estados Unidos, símbolo de ordem mundial pós-1945, receber Vladimir Putin, culpado pela quebra de muitas das regras que durante 80 anos foram os alicerces dessa ordem. “Repulsa”, “incompreensível”, “chocante”, “uma vergonha para os EUA”, são algumas das expressões que se foram lendo na noite de sexta-feira e na madrugada de sábado.
Mas para Donald Trump, segundo ele próprio, o mais importante é “acabar com a matança” e, para ele, tudo isto é apenas pragmatismo necessário no caminho para se entronizar como o grande obreiro de acordos de paz. Putin já se encontrou com cinco presidentes norte-americanos, é um maratonista. Trump é mais errático, pode não ter assim tempo para deixar uma marca. Em democracia há essa coisa chamada limitação de mandatos.