A evolução da ciência a que temos assistido nos últimos anos, especialmente nos últimos 20, trouxe uma renovada esperança às pessoas que vivem com uma Distrofia Muscular de Duchenne (DMD), ou de Becker (BMD), e às suas famílias. A descoberta e o mapeamento do gene da distrofina foi um marco na genética médica e no entendimento desta doença rara.

Tentando resumir essa trajetória fascinante, desde que, em setembro de 1986, Anthony Monaco, um jovem investigador da equipa de Louis Kunkel, anunciou publicamente a grande novidade, depois de uma descoberta na qual participaram mais de 75 cientistas e mais de 1.300 pacientes, podemos dizer que se trata de uma proteína essencial para a estabilidade das fibras musculares e que estabelece a conexão entre o citoesqueleto da célula muscular e a matriz extracelular, protegendo, dessa forma, a célula durante os ciclos de contração e de relaxamento do músculo. Isso explica os sintomas mais debilitantes da DMD, como a perda progressiva da força muscular, enormes dificuldades de locomoção e uma insuficiência cardíaca e pulmonar, quando em estágios mais avançados.

Localizado no cromossoma X, é o maior gene conhecido presente no ser humano e, entre muitas outras características, tem 79 exões. Parece-lhe muito complicado? E tem toda a razão, porque, na verdade, é ainda mais complexo do que possamos imaginar. A descoberta teve um impacto enorme na medicina já que permitiu o desenvolvimento de testes genéticos para o diagnóstico precoce da DMD e abriu caminho para as terapias genéticas, como a edição de genes e o uso de vetores virais que permitam restaurar a função da distrofina. Com o mapeamento do gene, tornou-se ainda possível identificar mutações específicas em alguns pacientes e em mulheres portadoras da doença, ainda que assintomáticas. Isso facilitou também o rastreio familiar e o aconselhamento genético, muito recomendado nos nossos dias, permitindo decisões informadas sobre reprodução e cuidados médicos.

Depois de descrita um pouco da história desta doença e das muitas tentativas que se foram multiplicando pelo mundo da investigação, enquanto bons e inspiradores exemplos da evolução da ciência a partir de uma descoberta genética, para soluções terapêuticas que mudam vidas, precisamos de abordar o mundo real e a situação em que vivem as famílias afetadas pela DMD. Quase quatro décadas após a descoberta do gene da distrofina, os avanços científicos continuam a transformar o panorama da DMD e a perseguir a cura, que ainda não existe. Importa, portanto, olhar para o momento actual e refletir sobre o que poderá ser o futuro destes pacientes.

Para a edição de 2025 do Dia Mundial da Sensibilização e Consciencialização para a Distrofia Muscular de Duchenne, a World Duchenne Organization (WDO), suportada por todas as organizações congéneres, decidiu eleger “A Família – O Coração dos Cuidados”, como o tema central. A decisão de recentrar o problema nos cuidados e nos seus prestadores, está relacionada com a falta de respostas da ciência para o quotidiano destas pessoas e de quem cuida delas. Mas, o desafio vai para além do científico e do social. Chega, também aos decisores políticos, que continuam lentos e hesitantes em adoptar políticas que promovam o acesso equitativo. Falta visão estratégica, financiamento adequado e regulação ágil. Essa inércia compromete não só a disseminação e a evolução das terapias, mas também o desenvolvimento de abordagens complementares que poderiam transformar vidas sem nos concentrarmos exclusivamente no preço. Que poderiam permitir que algumas pessoas pudessem contribuir com o que sabem, porque conseguem aprender, para desenvolver uma sociedade que, apesar de tudo, ainda os ignora.

Na última década, tenho apelado repetidamente aos muitos responsáveis de várias áreas com quem me tenho cruzado, para que se concentrem nos indicadores que temos, mas que nos dizem com clareza que são insuficientes e que estão mal organizados. Em números agrupados, não sabemos quantos são, onde estão, como vivem e em quanto tempo poderiam beneficiar das vantagens de alguma das quatro principais terapias inovadoras em avaliação, os doentes com DMD/BMD, em Portugal. E o pedido não é só meu. Todos os dirigentes de organizações ligadas às doenças raras sentem o mesmo problema e uma dificuldade acrescida em encontrar alguém que queira tomar decisões nesta matéria, e com alguma urgência. As novas lideranças têm demonstrado muitas fragilidades e pouca coragem para alterar o que todos sabem que está errado. Por isso, custa-me admitir que o incrível e inaceitável atraso que a implementação de novos Centros de Referência para doenças neuromusculares e outras, no nosso país, se verifica há já muitos anos, face ao que acontece na Europa, seja da responsabilidade de pessoas, e não de organizações. Continuar a não decidir, ou a propor mudanças que são essenciais para trazer inovação ao nosso país, é comprometer o futuro.

Esse futuro, que está na ciência. Mas que as famílias desafiam e enfrentam diariamente!

Joaquim Brites, presidente da APN - Associação Portuguesa de Neuromusculares