Vivemos tempos em que a lealdade profissional parece ter perdido o valor que outrora tinha. Num mercado de trabalho cada vez mais instável, onde o lucro imediato se sobrepõe à construção sustentada de equipas e competências, os trabalhadores tornaram-se peças facilmente substituíveis.

Mas até que ponto podemos permitir que a experiência, o mérito e a dedicação sejam descartados por algumas dezenas de euros?

É com alguma perplexidade que se observa, em muitos sectores do tecido empresarial português, uma tendência que, não sendo nova, se tem vindo a acentuar nos últimos anos: a substituição de trabalhadores experientes por mão-de-obra estrangeira, frequentemente mais barata, e não raras vezes sujeita a condições laborais precárias. Este fenómeno, motivado por uma lógica puramente economicista, ignora, de forma quase inconsciente, o valor real do capital humano e o investimento feito ao longo dos anos na formação e qualificação de cada colaborador.

É comum vermos trabalhadores que passaram décadas a contribuir para o crescimento de uma empresa, com dedicação, lealdade e conhecimento acumulado, a apresentarem a sua carta de demissão. Em muitos destes casos, a decisão não se prende com desmotivação profunda ou desinteresse profissional, mas sim com uma proposta ligeiramente mais vantajosa de outra entidade empregadora — muitas vezes da concorrência — que oferece um aumento de 100 ou 200 euros mensais.

Surpreendentemente, as empresas de origem, em vez de procurarem compreender as razões da saída ou até propor uma pequena melhoria das condições, limitam-se a aceitar a demissão com indiferença. Não perguntam quanto o trabalhador vai ganhar, nem tentam persuadi-lo a ficar. Esta passividade revela um desinteresse preocupante pelos recursos humanos e pelas dinâmicas internas.

A questão torna-se ainda mais grave quando se percebe que estas empresas, ao invés de corrigirem desequilíbrios salariais ou valorizarem quem sempre lhes foi leal, preferem contratar mão-de-obra estrangeira por valores substancialmente inferiores. Esta prática, para além de eticamente duvidosa, resulta numa quebra da identidade organizacional. Os colaboradores que permanecem assistem a estas substituições com receio e desmotivação, sabendo que, mesmo após anos de entrega, podem ser facilmente descartados. Perde-se assim a memória interna, o espírito de equipa e a cultura empresarial construída ao longo do tempo.

Não se trata, evidentemente, de uma crítica à imigração. Portugal tem uma longa e rica história de emigração dos seus nacionais para países como França, Alemanha ou Suíça, onde muitos portugueses foram acolhidos e integrados com sucesso. A imigração é, muitas vezes, uma necessidade económica e social, e os imigrantes desempenham um papel fundamental em sectores essenciais da nossa economia. No entanto, é preciso que esta imigração seja regulada, digna e não utilizada como instrumento de exploração ou como forma de enfraquecer os direitos e a valorização dos trabalhadores nacionais.

É inaceitável que muitos destes trabalhadores estrangeiros vivam em condições degradantes, sujeitos a horários excessivos, sem acesso a direitos básicos e sem qualquer estabilidade. Tal cenário não só compromete a dignidade humana, como contribui para a degradação geral das condições de trabalho em Portugal. A concorrência desleal entre trabalhadores nacionais e estrangeiros, mediada por salários baixos e falta de fiscalização, favorece apenas o lucro imediato de alguns e prejudica a coesão social e o equilíbrio económico do País.

Existem exemplos noutros países europeus que podem servir de inspiração, nomeadamente pela adopção de políticas rigorosas para proteger os trabalhadores locais e regular a contratação de mão-de-obra estrangeira. Na Alemanha, por exemplo, a legislação laboral exige justificação concreta para despedimentos e limita a substituição directa de trabalhadores nacionais, incentivando a retenção de talento através da formação contínua. De forma semelhante, a França obriga os empregadores a demonstrar que não encontraram candidatos locais antes de recorrer a trabalhadores fora da União Europeia, garantindo o cumprimento de contratos colectivos que impedem a prática de salários abaixo do padrão. A Suíça aplica o princípio de "salário igual para trabalho igual", mesmo para estrangeiros, penalizando as empresas que recorrem a contratações exploratórias. Já a Suécia exige que a contratação de imigrantes respeite salários e condições equiparadas aos dos trabalhadores nacionais, com supervisão frequente de sindicatos. Estes exemplos evidenciam que é possível integrar mão-de-obra estrangeira sem comprometer os direitos dos trabalhadores locais nem fomentar a substituição desleal.

Em Portugal, falta ainda um verdadeiro debate sobre esta realidade. É necessário repensar a política laboral, criando mecanismos legais que impeçam a substituição total de colaboradores nacionais que optam por sair em busca de melhores condições. Poder-se-ia, por exemplo, limitar a substituição por trabalhadores estrangeiros a uma percentagem do efectivo total, garantindo que não haja uma “renovação em bloco” motivada unicamente por corte de custos. Paralelamente, as empresas deviam ser mais fiscalizadas, nomeadamente no que diz respeito às condições oferecidas aos imigrantes e aos contratos que lhes são atribuídos.

Actualmente, a contratação de trabalhadores estrangeiros em Portugal implica um conjunto de obrigações legais que não podem ser ignoradas. Para trabalhadores de países terceiros (fora da UE/EEE), é exigido visto de trabalho ou de residência, seguido de autorização junto da AIMA, podendo ser necessário publicar a oferta no IEFP. O empregador deve respeitar o Princípio da Prioridade, garantindo que não existem candidatos nacionais, comunitários ou estrangeiros com residência legal disponíveis, o que se comprova com a publicação da vaga no IEFP por 30 dias úteis. Acresce que, consoante o regime, o empregador pode ter de assegurar alojamento: opcional mas regulado no trabalho sazonal; não obrigatório no regime normal; e obrigatório no regime “Via Verde para a Imigração”, onde, além do alojamento adequado, são exigidos contrato válido, formação profissional, ensino da língua portuguesa e seguros de saúde e viagem. Perante este quadro, importa questionar se todos estes encargos, incluindo custos de habitação e formação, não acabam por tornar a contratação de um estrangeiro tão ou mais dispendiosa do que atribuir um aumento salarial competitivo a um trabalhador experiente já integrado na empresa. Esta análise revela que, muitas vezes, a solução mais económica e estratégica poderá ser reter quem já conhece o funcionamento interno, evitando custos adicionais de integração, formação e cumprimento de requisitos legais complexos.

Importa ainda que se crie um quadro de incentivos à retenção de trabalhadores experientes, que valorize a antiguidade, o mérito e a formação contínua. Uma empresa que investe na qualificação dos seus quadros e depois os deixa partir por mais 100 euros mensais revela uma grave miopia estratégica. O custo da saída de um bom profissional — em termos de produtividade, moral da equipa, tempo de adaptação de um novo colaborador e perda de conhecimento — é muitas vezes bem superior ao custo de uma actualização salarial justa.

Valorizar quem está, quem conhece, quem contribuiu durante anos, é uma questão de justiça, de inteligência empresarial e de respeito pela dignidade humana. O futuro das nossas empresas depende, em grande medida, da forma como tratam os seus trabalhadores. Desperdiçar talento por meros 100 euros pode sair, no final, bastante mais caro — para a empresa, para a economia nacional e para a sociedade como um todo.

Mais do que uma questão de economia, esta é uma questão de princípios. Não podemos continuar a construir um mercado laboral onde se recompensa a rotatividade e se penaliza a estabilidade. Portugal precisa de empresas que apostem nas pessoas, e não apenas nos números. Enquanto assim não for, continuaremos a perder talento, humanidade e, a longo prazo, competitividade.

Licenciado em Ciência Política e Relações Internacionais e vice-presidente da Direção Nacional da Causa Real//O autor escreve com o antigo acordo ortográfico