
Os olhos da beleza vêem à frente, seja ela, a beleza, qual for. Até as horríveis coisas se podem tornar belezas, quando nos provocam uma reacção violenta – mesmo que só excepcionalmente apropriada.
Porque são as Artes que nos trazem muito disto, se não mesmo o essencial disto, nem os meus esforços de bom-senso apaziguam a apreensão que me tomou.
Porque a Cultura desceu de patamar político.
No Conselho de Ministros, a voz da Cultura não a representa agora em exclusivo, traz também e sempre o peso da gestão política das outras Pastas, a da Juventude e do Desporto, pelo que o planeamento e os resultados muito dependerão da dimensão em que a Ministra acolha uma política para a Cultura como uma tarefa – um plano a ser executado na legislatura, convicto e congregador, de facto.
Margarida Balseiro Lopes obteve a percepção pública de dinamismo, de capacidade de resposta. O Secretário de Estado Alberto S. Santos é da Cultura, e não aparenta calçar os sapatos dos do Restelo. Mas qual é a dimensão da vontade que anima o Governo a ouvir e apoiar a estruturação e execução de uma política para a Cultura?
Mesmo que Margarida Balseiro Lopes logre atender à dimensão da tarefa de uma Pasta destas, ela, a Pasta, será mais uma a juntar às da Juventude e do Desporto. Fatalmente haverá momentos em que ela, a Ministra, terá de optar. E, não menos árduo, terá então de ter a capacidade de seduzir os seus colegas no Conselho de Ministros para a importância dos passos a dar nesta área - que nunca terão chão sem o apoio político do Conselho. E do Primeiro-Ministro, primeiro e indispensavelmente.
Nunca foi fácil.
Assim tem sido desde que, no primeiro Governo Constitucional, Mário Soares autonomizou pela primeira vez a Cultura, mas enquanto Secretaria de Estado, mesmo que na dependência directa da Presidência do Conselho de Ministros – muito pouco Mário Soares, aliás.
Desde então e até hoje, apresenta-se-nos um longo percurso de promoções e despromoções, em que, na verdade e por muito que me custe confessá-lo, algumas das Secretarias de Estado até apuraram o ouvido e executaram mais do que os Ministérios. Mas sempre comprometendo-se na trama acomodatícia, timorata, do que mais convinha e convém aos que insistem em aconchegar os pés nos sapatos dos que por ali, no Restelo, permanecem olhando o vazio de quem zarpou.
No entanto e apesar da proliferação de discordâncias e mau feitio que nos caracteriza, ao Sector, já idiossincraticamente, no Cinema e Audiovisual grassa mais hoje do que ontem a congregação geral em torno de uma ideia, ou percepção: está tudo mal e sempre na mesma; já basta. Ideia particularmente fundamentada no comparativo do universo dos procedimentos e resultados de outros países e das práticas e capacidade das produções estrangeiras que aqui filmam – e nem todas são milionárias mas são inequivocamente de um pensamento diferente, com mundo, da Dinamarca até Espanha, tudo ao nosso alcance mas sempre receado(!), mais do que secundarizado, pelos eleitos.
Este tem sido, e é, aliás, um eficaz mecanismo dos Poderes alimentarem o crescimento de uma maioria silenciosa. Mas aqui substantiva, crescentemente insatisfeita e já ruidosa.
No entanto e perante os factos, para meu espanto ouvi recentemente um analista, que respeito, mesmo quando, assiduamente, discordo, afirmar que estamos muito melhor hoje na Cultura do que antes alguma vez estivemos. Pressuponho que o “antes” se referia ao princípio da nossa Democracia. Mesmo assim, será de ter em conta a leviandade, e insciência, daquela afirmação de que estando nós evidentemente melhor do que em 1974, estamos longe do nosso potencial provado e da fruição europeia das obras pelos públicos - e de muitas outras coisas, de que já anteriormente aqui falei.
Mas há que clamar; até pode ser que pelo deserto se encontre um ouvido atento que desperte uma mente perspicaz.
Entretanto, vivemos no acolhimento das tais duas ideias absolutamente contraditórias e simultaneamente credíveis: nenhum governo terá vontade de resolver isto, e todos eles tiveram e têm poder para o fazer.
PS: Os mais calorosos votos de que brevemente possamos continuar a ouvir ao vivo Maria João Pires, a brilhante pianista que trouxe ao Mundo os dedos mais distintos e emotivas interpretações.