As perturbações do espetro do autismo (PEA) são perturbações neuropsiquiátricas que apresentam uma grande variedade de expressões clínicas e resultam de disfunções multifatoriais do desenvolvimento do sistema nervoso central, afetando o normal desenvolvimento da criança.

Os sintomas manifestam-se nos primeiros três anos de vida e incluem três grandes domínios: social, comportamental e comunicacional. O autismo é a mais comum das PEA e a sua incidência tem vindo a aumentar em todo o mundo, atingindo, atualmente, segundo a Organização Mundial da Saúde, cerca de 1 em cada 100 crianças. Em Portugal, há alguns anos estimava-se que o autismo afetasse cerca de 1 em cada 1000 crianças em idade escolar, com predomínio no sexo masculino.

As abordagens de tratamento das PEA incluem medicação, terapia comportamental, ocupacional e da fala e apoio educacional e vocacional. Os tratamentos farmacológicos atualmente disponíveis visam melhorar os sintomas associados, como a irritabilidade, e não os sintomas principais das PEA. Há, assim, necessidade de tratamentos dirigidos aos sintomas principais das PEA.

Vários estudos têm sugerido que o sangue do cordão umbilical é capaz de regular processos inflamatórios no cérebro e alterar a conectividade cerebral. Para além disso, infusões autólogas de sangue do cordão umbilical têm demonstrado ser seguras em crianças com paralisia cerebral e outras lesões neurológicas. Neste contexto, vários investigadores têm colocado a hipótese de a infusão autóloga (i. e., do próprio) de sangue do cordão umbilical poder ser útil no tratamento das PEA, permitindo aliviar os seus sintomas através da regulação de processos inflamatórios a nível cerebral.

Neste sentido, foi recentemente conduzido na Roménia um ensaio clínico de fase 1/2, que visava avaliar a segurança e a eficácia da infusão intravenosa de sangue do cordão umbilical autólogo em crianças com PEA. Este estudo incluiu crianças com idades compreendidas entre os 3 e os 7 anos, com diagnóstico confirmado de PEA, e que tinham uma unidade de sangue do cordão umbilical criopreservada num banco de células estaminais.

Entre as crianças com PEA que receberam o seu sangue do cordão umbilical no âmbito deste estudo encontram‑se duas crianças portuguesas, de 4 e 6 anos, que viajaram com as suas famílias em junho de 2023 até Bucareste, na Roménia, para poderem participar no referido ensaio clínico. A participação destas crianças foi possível porque as suas famílias optaram por guardar as células estaminais do cordão umbilical.

Embora os resultados do ensaio clínico ainda não tenham sido publicados, aos seis meses após a infusão, o investigador principal do estudo e um dos pioneiros a nível mundial a testar esta opção terapêutica para o autismo, o Dr. Felician Stancioiu, assim como os pais das crianças portuguesas, descrevem melhorias ao nível da compreensão e da concentração, denotando uma evolução positiva no período pós-infusão.

Desde janeiro 2019, data em que o ensaio clínico teve início, até julho de 2023, foram administradas amostras do sangue do cordão umbilical autólogo a crianças com PEA. Durante este período, foi avaliada a evolução cognitiva e comportamental, nomeadamente na interação com a família e os colegas, de forma a testar a eficácia deste tratamento. As crianças foram avaliadas com recurso a questionários específicos, realizados entre os 2 e os 12 meses após os primeiros tratamentos, tendo as respostas permitido avaliar o seu nível de gravidade de autismo e as suas potenciais melhorias no período pós-infusão.

Dos resultados já analisados, o Dr. Felician Stancioiu antecipa um balanço bastante positivo: “Os resultados foram muito bons na faixa etária dos 3 aos 7 anos, em que cerca de 2 em cada 3 crianças com PEA tiveram melhorias claras, especialmente na verbalização, iniciativa, interação social e compreensão”. À semelhança do que foi anteriormente descrito relativamente a tratamentos experimentais realizados no âmbito de ensaios clínicos que pretendiam testar a administração de sangue do cordão umbilical em crianças com PEA, os resultados obtidos indicam que a faixa etária de intervenção com sangue do cordão umbilical é um fator que parece ser determinante na resposta ao tratamento, tendo as crianças com idades entre os 3 e os 7 anos evidenciado os melhores resultados.

Para além das melhorias observadas é muito importante referir que à semelhança do que tem sido reportado acerca de tratamentos experimentais baseados na administração de sangue do cordão umbilical autólogo anteriormente realizados, este tratamento mostrou-se seguro e bem tolerado. Aguarda-se a publicação dos resultados globais deste e de outros estudos envolvendo a utilização de células estaminais que possam esclarecer o benefício da sua administração no contexto das PEA para que este tipo de tratamentos possa ficar disponível na prática clínica.

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