
A Autoridade da Concorrência (AdC) apresentou uma reclamação formal à conferência de juízes do Tribunal Constitucional (TC), depois de este órgão ter recusado apreciar os recursos interpostos pela própria AdC e pelo Ministério Público (MP) no escândalo do cartel da banca, que previa coimas de 225 milhões de euros a 11 bancos nacionais por práticas anticoncorrenciais.
Segundo a entidade reguladora, trata-se do último mecanismo processual disponível para tentar garantir a validação constitucional da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), que extinguiu a responsabilidade contraordenacional dos bancos por prescrição, sem nunca afastar a existência da infração.
“Nenhum tribunal declarou a inexistência da infração imputada aos bancos”, sublinha fonte oficial da AdC, em resposta à agência lusa. A entidade reafirma que “não está em causa qualquer absolvição”, apenas a interrupção processual por decurso de prazos legais.
A decisão do Tribunal Constitucional caiu como um balde de água fria sobre as pretensões da AdC e do MP, que procuravam que o alto tribunal se pronunciasse sobre a possível inconstitucionalidade do acórdão da Relação, que considerou válido o cômputo de dois anos de espera por decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia como tempo útil para efeitos de prescrição.
Contudo, o juiz-conselheiro relator rejeitou conhecer dos recursos, alegando que o TC só pode apreciar normas jurídicas e não o mérito das decisões judiciais, e apontou ainda falta de legitimidade do MP por suscitar agora questões que nunca havia levantado.
Com esta rejeição, perde o processo mais robusto da AdC contra práticas de cartelização bancária em Portugal, num caso que envolvia troca de informações comerciais sensíveis entre instituições financeiras entre 2002 e 2013. A lista das entidades visadas incluía CGD (82 milhões de euros), BCP (60 milhões), Santander (35,65 milhões), BPI (30 milhões), Montepio (13 milhões), BBVA, BES, BIC, Crédito Agrícola, UCI e Barclays — este último colaborou com a investigação e ficou isento de coima. O Banif, condenado a 1.000 euros, não recorreu.
A questão de fundo mantém-se: o Estado português deixou prescrever um caso de extrema gravidade económica, que envolvia as principais instituições bancárias do país e que teve a concordância de instâncias europeias, como o Tribunal de Justiça da UE, sobre a existência da infração.
Apesar de todas as instâncias reconhecerem a existência da prática anticoncorrencial, o caso esbarra agora na inércia judicial e no formalismo processual, numa situação que levanta sérias dúvidas sobre a eficácia da justiça em matéria de concorrência económica e proteção do interesse público.
A reclamação agora interposta pela AdC surge como a última tentativa de reverter a decisão e recuperar a capacidade sancionatória do Estado. Resta saber se a conferência de juízes do TC dará seguimento ao pedido ou se confirmará o encerramento deste capítulo que, para muitos, ficará marcado como um fracasso judicial num dos maiores escândalos bancários do país.