
Há figuras que atravessam o tempo sem nunca perderem o brilho. Joaquim Moreira é uma dessas raridades. Recentemente foi distinguido com um cartão branco pelo Núcleo de Árbitros de Castelo Branco. A homenagem é justa. Há vidas que merecem ser celebradas… em voz alta. Durante mais de três décadas, Joaquim foi uma das bóias de salvação do Barreirense, garantindo a sua presença nos quadros nacionais de futebol. Mas não o fez com discursos inflamados ou promessas vãs. Fê-lo com uma postura exemplar, com palavra séria, firme e coração aberto. Treinadores e jogadores encontraram nele mais do que um dirigente: encontraram um mentor, um amigo, um verdadeiro padrinho. João Moutinho que o diga — foi acolhido por Joaquim quando ainda era um miúdo de dez anos, vindo de Portimão com o sonho de ser jogador. Hoje, é estrela nacional. Mas nunca esqueceu quem lhe deu abrigo.
Essa capacidade de criar laços genuínos transcendeu fronteiras. Joaquim Moreira é, ainda hoje, bem-vindo no círculo íntimo de nomes como Mbappé, Pepe ou James Rodríguez. Mas nunca deixou que a fama o desviasse da sua essência. Continua a ser o homem simples que saiu de São Vicente da Beira para o Barreiro, onde se tornou bancário. E foi no Fundão, mais precisamente na Orca, que encontrou a sua terra adotiva — e nela semeou sonhos.
Há mais de 30 anos, decidiu colocar a Orca no mapa regional com um torneio de futsal. E conseguiu. Trouxe estrelas como Paulo Bento, José Couceiro e Neno. Convidou árbitros internacionais como Carlos Valente, Veiga Trigo, Jorge Coroado e Carlos Xistra. O torneio tornou-se uma referência, não só pela qualidade, mas pelo ambiente de fair-play e camaradagem que Joaquim sempre exigiu. Ainda hoje, o impacto é visível. Constatei-o na Cidade do Futebol aquando da tomada de posse dos Órgãos Sociais da APAF quando me cruzei com António Marçal, o árbitro do célebre 6-3. Assim que soube que o torneio da Orca ainda se realizava, reagiu com emoção: “Foi dos torneios onde tive mais prazer em arbitrar. Gostaria muito de rever o Sr. Moreira, do Barreiro.”
Se Joaquim Moreira fosse uma personagem de uma obra literária seria o Tom Sawyer moderno. Inteligente e astuto, sabe “manipular” as situações em prol causas coletivas. O torneio que promove não é para dar lucro. Serve apenas para dar vida durante cerca de dois meses a uma freguesia que diariamente enfrenta os desafios da desertificação. Por isso, não abdica das autorizações oficiais e dos seguros necessários, mas muito dispendiosos. Mas é assim que atrai anualmente cerca de 20 equipas oriundas de localidades situadas num raio de 70 km. O Joaquim Moreira é também corajoso, principalmente quando excluiu jogadores e equipas do torneio por revelarem uma faceta que não se coaduna com os seus princípios éticas. As semelhanças com o rapaz que vive nas margens do Mississippi não se ficam por aqui. Ele é travesso e rebelde. Foi assim que iniciou cultura das caminhadas na Orca, desafiando costumes instalados. Mas o maior elogio que se pode dar remete-nos para a sua generosidade. Está sempre atento aos amigos, sejam eles figuras como o treinador Paulo Fonseca ou os habitantes anónimos de São Vicente da Beira, do Barreiro ou da Orca.
Joaquim Moreira é isso: um eterno jovem com alma de revolucionário e com um coração enorme. Um homem que nos faz acreditar que os sonhos, mesmo os mais improváveis, podem tornar-se realidade. E que a ética, o afeto e a persistência ainda são os melhores caminhos para deixar marca no mundo.
Artigo de opinião de Sérgio Mendes