Lisboa continua a encantar com o seu sol, cultura vibrante e qualidade de vida invejável. Porém, um crescente número de residentes estrangeiros começa a levantar dúvidas sobre os impactos da sua presença, revelando tensões cada vez mais visíveis entre comunidades.

Num retrato profundo publicado pelo jornal britânico The Guardian, diversos nómadas digitais — em especial britânicos — expõem os contrastes entre a promessa de uma vida melhor e a realidade de uma cidade que parece fragmentar-se. O testemunho de Alex Holder, residente na Lapa e profissional ligado à publicidade, é revelador: “À medida que as tensões aumentam com os moradores locais em dificuldades, muitos de nós começamos a questionar se causamos mais mal do que bem”.

Andrew Steele, antigo atleta olímpico, veio para Lisboa em 2019 e beneficiou do regime fiscal para residentes não habituais. Inicialmente entusiasmado, mostra-se agora desiludido com a disparidade social crescente. “Nos últimos dois anos há algo que se agita em mim. Uma crescente desigualdade de riqueza. Uma consciência silenciosa de que os moradores mais ricos são frequentemente os que menos contribuem”, desabafa.

A perceção de que a capital portuguesa transforma-se numa “bolha” isolada para estrangeiros também é partilhada por Chris Pitney, designer britânico casado com uma portuguesa. “Sinto que há duas comunidades a partilhar as mesmas ruas, mas, certamente, não os mesmos cafés”, observa, denunciando uma economia paralela alimentada por trabalhadores remotos com rendimentos oriundos do estrangeiro.

Lisboa foi recentemente classificada como a capital europeia mais inacessível no mercado da habitação, segundo dados do Numbeo, um sinal claro do impacto da gentrificação e da especulação imobiliária. A par disso, o avanço político de movimentos radicais e a crescente frustração popular apontam para uma cidade em profunda mudança — e nem todos a consideram positiva.

Os depoimentos recolhidos pelo The Guardian levantam uma questão central: Lisboa continuará a ser a “terra prometida” para quem chega de fora ou estará a transformar-se num paraíso perdido para quem sempre cá viveu?