
Poucos episódios da História alimentaram tantas discussões como a verdadeira identidade de Cristóvão Colombo. A versão mais divulgada apresenta-o como genovês, nascido por volta de 1451, filho de um tecelão, que acabaria por singrar como navegador ao serviço dos Reis Católicos. Essa narrativa tornou-se oficial e repetida em manuais escolares de várias gerações. Porém, a História não é feita apenas de certezas. Entre lacunas, contradições e silêncios, abre-se espaço para hipóteses alternativas. Uma delas, defendida por vários investigadores e retomada por José Rodrigues dos Santos, sugere que Colombo poderia afinal ser português.
Sabe-se que o navegador casou com Filipa Moniz Perestrelo, filha do primeiro donatário da ilha de Porto Santo. Ao fixar-se na Madeira passou a ter acesso privilegiado a rotas atlânticas e aos segredos da náutica portuguesa. O sogro, ele próprio mareante, terá sido quem lhe transmitiu a arte de navegar. O casamento não é um simples episódio biográfico, mas um dado que liga Colombo ao coração da elite marítima de Portugal no momento em que o país liderava a expansão oceânica.
Quando regressou da primeira viagem à América, em 1493, Colombo não se dirigiu de imediato a Castela. A sua primeira paragem foi Lisboa, onde se apresentou perante D. João II. O encontro está documentado e continua a levantar perguntas. Porque razão um navegador ao serviço de Espanha sentiria necessidade de relatar o feito ao rei de Portugal antes de anunciar a vitória na corte castelhana? O itinerário mostra ainda outras paragens discretas em localidades a sul de Lisboa, quase como se estivesse a cumprir compromissos prévios, e só depois seguiu para os Reis Católicos.
Se fosse assumido como português, Castela corria um risco político evidente. As novas terras poderiam ser reivindicadas por Lisboa, colocando em causa o grande triunfo da monarquia espanhola. Mais seguro era fixar a versão genovesa e impô-la como verdade inquestionável. O receio espanhol explica em parte o silêncio e a construção da narrativa oficial.
Alguns detalhes parecem reforçar a hipótese portuguesa. O nome dado à primeira ilha encontrada foi Cuba. Oficialmente o batismo foi casual, mas permanece a dúvida. Existe em Portugal uma vila chamada Cuba, no Alentejo, e não é impossível que Colombo tenha escolhido esse nome em memória da sua terra natal.
As provas da origem genovesa também não são conclusivas. Nos arquivos encontram-se referências a um Cristoforo Colombo, filho de um tecelão de Génova, mas nada garante que se trate da mesma pessoa. Difícil é conciliar um artesão italiano com alguém capaz de escrever em castelhano erudito, de se exprimir em português, de dominar os segredos atlânticos e de se mover com naturalidade nas cortes europeias.
O maior enigma permanece em Sevilha, onde repousam os restos mortais do navegador. Foram já realizadas análises de ADN que confirmaram tratar-se efetivamente de Colombo. A comparação com restos de familiares diretos comprovou a identidade, mas os testes não revelaram a sua nacionalidade. Há indícios genéticos compatíveis com origens sefarditas da Europa Ocidental, embora nada de definitivo. Assim, as análises encerraram uma dúvida mas abriram outra ainda maior.
O que se seguiu ao feito de Colombo também pode ser lido sob outra luz. Portugal aceitou rapidamente negociar o Tratado de Tordesilhas que dividia o mundo em duas partes. Muitos viram nessa cedência a entrega generosa de vastas terras da América do Norte e Central a Castela. No entanto, os portugueses sabiam que essas regiões tinham menos riquezas imediatas do que o Brasil. Ao aceitarem esta partilha, evitavam um conflito direto com os espanhóis, assegurando ao mesmo tempo o território que viria a tornar-se a maior joia do império português. Essa lucidez estratégica só se explica se D. João II conhecia de antemão, talvez pelas informações de Colombo, a geografia aproximada das novas terras.
A versão genovesa continua a assentar em bases frágeis. A hipótese portuguesa responde a muitas das dúvidas que ainda persistem. Talvez nunca saibamos com absoluta certeza quem foi Cristóvão Colombo. Mas se um dia se autorizar a análise genética completa, a História poderá ter uma reviravolta tão surpreendente como a própria viagem de 1492.
O homem que mudou o mundo pode não ter partido de Génova. Pode ter nascido no coração do Alentejo e levado consigo a memória de Cuba para batizar a primeira ilha do Novo Mundo.
TEXTO:
Paulo Freitas do Amaral
Professor, Historiador e Autor