
"Com o fim das férias, emerge uma sensação subtil de mal-estar. Não, não é preguiça, é apenas o cérebro a fazer o que tem de fazer. Garanto-lhe como neurocientista que é pura neurofisiologia.
Hoje sabemos, através das neurociências, que durante o repouso a mente não 'desliga', como tantas vezes se pensa. Pelo contrário, entram em funcionamento o modo de repouso cerebral, ou Default Mode Network. Longe de ser apenas um capricho, o repouso mental ativa um mecanismo cerebral quando nos permitimos divagar, não por distração, mas por necessidade fisiológica de reorganizar memórias e emoções. É nesse estado que, paradoxalmente, o cérebro nos ajuda a consolidar o que aprendemos, metabolizar as emoções mais intensas e até nos oferece aquela lucidez que tantas vezes procuramos para as decisões mais difíceis. O repouso ativo, aquele onde a mente divaga, é essencial para integrar memórias e atribuir significado às experiências. Mas o imperativo moderno da produtividade levou-nos a confundir movimento constante com realização e eficácia. A ciência diz-nos outra coisa: não descansamos apenas para recuperar a energia física. Também descansamos para dar coerência ao que sentimos e vivemos.
Patrícia Oliveira-Silva© Patricia Oliveira-Silva
Agora voltemos ao fim dos dias de pausa, quando o repouso ganha outra textura, e passa a emergir a tal subtil sensação de mal-estar, uma espécie de ‘serenidade inquietante’. O corpo ainda repousa, mas a mente já ensaia o seu regresso. Começamos a pressentir que será preciso abandonar a cadeira de praia e reentrar num mundo que nunca deixou de correr além do areal. Não é de admirar, portanto, que os dias após as férias sejam acompanhados por irritabilidade, dificuldades de concentração e até sintomas físicos como fadiga ou dores musculares. Há quem chame a isso “síndrome pós-férias”, um termo talvez excessivo, mas que encontra respaldo em dados reais. Estudos realizados em diferentes países demonstram que até 35% dos trabalhadores relatam uma acentuada diminuição do bem-estar e da motivação no regresso ao trabalho após períodos de descanso prolongado.
E não se trata apenas de uma impressão subjetiva. O regresso impõe outro tipo de ativação cerebral conhecido como modo executivo, responsável por planear, priorizar, manter o foco e responder a estímulos externos com rapidez. Essa alternância entre modos cerebrais exige do nosso organismo um esforço de adaptação. Podemos chamar-lhe um ligeiro desalinhamento emocional. E não nos apressemos a chamar de preguiça. A tal “serenidade inquietante” que se instala nos últimos dias de férias também não é sinal de fraqueza, uma vez mais, é neurofisiologia pura.
O cérebro não muda de direção como um interruptor. Cada alternância entre redes mentais cobra um preço, e é esse preço que sentimos ao regressar. Mas não precisamos esperar pelas próximas férias para reencontrarmos essa serenidade. Em vez de culparmos a lentidão, podemos tomá-la como uma lição: aprender a atravessar as estações com mais equilíbrio. Pausas breves, de apenas dois ou cinco minutos, já bastam para aliviar a fadiga e reacender a motivação durante tarefas exigentes. Há ainda um benefício adicional ao deixar a mente divagar ao longo do dia, longe até mesmo das distrações digitais. Por fim, um intervalo mais generoso a cada semana, nem que seja uma tarde roubada ao calendário, reduz significativamente os níveis de stress e abre espaço para a mente integrar experiências e atribuir-lhes significado.
No fim, a ciência pode oferecer muitas explicações, mas a prática resume-se a algo simples: manter presente o passo desacelerado da praia, ou de qualquer outro cenário de tranquilidade, mesmo quando a cadeira de praia já ficou para trás."