
Começa hoje um dos encontros mais importantes da economia mundial. A reunião anual, que junta 120 personalidades num local isolado no estado do Wyoming, chamado Jackson Hole, nos Estados Unidos, contará com 45 governadores de bancos centrais, 25 membros da Reserva Federal, 24 académicos, oito presidentes de grandes empresas, cinco membros de diferentes governos e 12 jornalistas convidados. O tema em debate este ano será “Mercados de Trabalho em Transição: Demografia, Produtividade e Política Macroeconómica”.
Desde que foi nomeado governador do Banco de Portugal, Mário Centeno foi quase sempre convidado a marcar presença em Jackson Hole, mas este ano haverá um hiato na representação portuguesa. O novo governador nomeado, Álvaro Santos Pereira, ainda não tomou posse formalmente e Centeno está de saída. Questionado pelo Jornal PT50 sobre quem representaria a instituição, fonte oficial do Banco de Portugal respondeu: “O governador não estará presente”. Resta saber se o futuro governador participará ainda como economista-chefe da OCDE.
Num encontro em que a presença é apenas por convite, Centeno e Álvaro Santos Pereira têm alternado ao longo dos últimos anos na conferência organizada pela Reserva Federal de Kansas. Em 2020 e 2021 esteve presente Mário Centeno; em 2022 foi a vez de Álvaro Santos Pereira; em 2023 voltou Centeno; e apenas no ano passado ambos marcaram presença no mesmo evento.
Este ano, a reunião de Jackson Hole assume uma importância redobrada. As tensões na economia mundial, provocadas pela política tarifária de Donald Trump, somam-se às pressões exercidas pelo presidente dos Estados Unidos sobre Jerome Powell, presidente da Fed, para reduzir as taxas de juro de referência (atualmente entre 4,25% e 4,50%). O discurso de Powell, previsto para amanhã, será acompanhado com especial atenção pelos mercados internacionais.
Questionado, há cerca de um mês e meio, durante o Fórum do BCE em Sintra, sobre o que gostaria de deixar ao seu sucessor, Powell foi lacónico: “Queremos entregar uma economia forte, estável e robusta, fora das questões políticas”.
Stephen Miran, economista escolhido por Trump para substituir a governadora Adriana Kugler — que deixou a Fed meses antes do fim do mandato — apoiou os apelos da Casa Branca para cortes nas taxas de juro. Defendeu ainda uma revisão da governação da Fed que daria ao presidente dos EUA o poder de demitir figuras como Powell.
“Miran não é alguém que vá ser absorvido ou esmagado pelas tradições da Fed”, afirmou Steven Blitz, economista-chefe para os EUA na TS Lombard, citado pelo Financial Times. “Será o agente provocador que representará Trump em Jackson Hole. E com orgulho. Não fará segredo disso.”
“Estamos num equilíbrio desconfortável, em que não sabemos o que vai acontecer a seguir”, disse Gennadiy Goldberg, estratega-chefe de taxas na TD Securities. “O mercado espera uma confirmação de Powell, na sexta-feira, sobre a sua abertura a cortes nas taxas.”
Miran não é o único desafio de Powell. Christopher Waller e Michelle Bowman, dois governadores da Fed que em maio integraram a lista restrita de 11 nomes considerados pelo Tesouro para suceder a Powell, divergiram na votação de julho e apoiaram cortes. Se Miran for confirmado pelo Senado a tempo da reunião de 16 e 17 de setembro, Powell enfrentará três dissidentes dentro do seu próprio conselho de sete membros — uma divisão desta dimensão não ocorre desde 1988 e seria explorada por Trump e pelos seus apoiantes como prova de que o presidente da Fed está a perder o controlo.
Ontem mesmo, Trump voltou a atacar a Fed depois do diretor da Agência Federal de Finanças da Habitação dos EUA (FHFA), Bill Pulte, ter escrito uma carta à Procuradora-Geral dos EUA, Pam Bondi, a pedir uma investigação a empréstimos feitos por Lisa Cook, elemento do Conselho de Governadores da Fed. Em reação a esta pedido, o Presidente norte-americano, Donald Trump, pediu a demissão de Lisa Cook.
Os dados económicos mistos nos EUA agravam o dilema de Powell, que tenta equilibrar o duplo mandato da Fed: máximo emprego e estabilidade de preços. As tarifas generalizadas de Trump sobre parceiros comerciais ainda não produziram o mesmo tipo de choque inflacionista registado durante a presidência de Joe Biden, mas já ensombraram suficientemente as perspetivas para deixar os responsáveis pela política monetária divididos sobre a margem existente para cortes significativos.
Os investidores reagiram de imediato a um índice de preços no consumidor relativamente benigno, divulgado na semana passada, passando a prever com elevada probabilidade pelo menos um corte de um quarto de ponto em setembro. No entanto, internamente, a votação da Fed é vista como uma decisão mais equilibrada do que os mercados sugerem.
Alguns observadores consideram que a posição de Powell dependerá de continuar ou não a ver a taxa de desemprego como principal indicador da saúde do mercado laboral. Atualmente em 4,2%, a taxa permanece baixa, sugerindo que a desaceleração nas contratações neste verão poderá dever-se a fatores do lado da oferta, como a redução da imigração — algo sobre o qual o banco central tem pouco controlo.
Marc Giannoni, economista-chefe para os EUA no Barclays, citado pelo Financial Times, comentou: “Powell alertou que o crescimento do emprego poderá estar próximo de zero, mas também disse que a taxa de desemprego poderá não subir muito devido a fatores do lado da oferta. Se repetir isso, então as expectativas de cortes nas taxas voltam a aproximar-se dos 50%.”
As exigências de Trump, entretanto, mantêm-se extremas: pretende que os custos de financiamento desçam para apenas 1%, alegando que isso pouparia ao governo centenas de milhares de milhões de dólares em juros da dívida.
A grande questão para Miran será como pressionar por cortes tão acentuados mantendo a credibilidade. Em abril, teve dificuldades em acalmar os investidores durante uma turbulência nos mercados após o início da guerra comercial de Trump, e já defendeu anteriormente a desvalorização do dólar e um chamado “acordo de Mar-a-Lago” (residência de Trump) para realinhar a economia global.
Miran, atualmente presidente do Conselho de Assessores Económicos, não estará presente em Jackson Hole, embora os seus colegas Pierre Yared e Aaron Hedlund participem. Ed Glaeser, que lhe deu aulas de microeconomia no primeiro semestre em Harvard, espera que o antigo aluno reforce os apelos do presidente para cortes nas taxas, mas relativizou o potencial de rutura dentro da Fed: “Suspeito que não teria sido nomeado se não acreditasse que deve cortar taxas, e certamente entrará com uma posição pró-cortes. Mas ouvirá os seus colegas e fará o possível para ser um membro razoável deste grupo.”