Foi chefe de gabinete de Vítor Gaspar quando este era ministro das Finanças, passou pelo Banco de Portugal, foi administrador do Conselho Único de Resolução europeu e hoje é membro do Conselho de Supervisão do Banco Central Europeu (BCE). Pedro Machado deu uma entrevista, publicada nesta quarta-feira pelo próprio BCE, na qual fala sobre consolidação bancária, o alargamento do Fundo de Garantia de Depósitos e a forma como se podem salvar os pequenos bancos quando estes enfrentam dificuldades.

Quando confrontado com a possibilidade de mais aquisições transfronteiriças – como, por exemplo, a compra do Novo Banco pelos franceses do BPCE ou a intenção do italiano Unicredit de adquirir o alemão Commerzbank – o responsável considera que “mesmo no quadro atual, há margem para mais fusões e aquisições transfronteiriças, e os supervisores estão interessados em ver este movimento crescer”.

Para Pedro Machado, “o progresso adicional na união bancária tornará simplesmente estas operações mais naturais e menos expostas a riscos de fragmentação, o que, por sua vez, apoiará um setor bancário europeu mais resiliente e competitivo”.

“Para que as autoridades nacionais e os mercados apoiem a consolidação transfronteiriça, é necessário que estejam asseguradas ferramentas robustas a nível europeu e mecanismos comuns de apoio capazes de gerir uma crise envolvendo um grupo transfronteiriço. A reforma em curso do CMDI – mecanismo de gestão de crises e garantia de depósitos para os bancos da União Europeia (UE) – é um passo nessa direção, pois aumenta a eficácia da gestão de crises e torna o quadro mais coerente”, diz Pedro Machado, acrescentando: “Além disso, a criação do EDIS – Sistema Europeu de Seguro de Depósitos – seria outro marco importante, ao reforçar a confiança de que os depositantes têm proteção equivalente, independentemente do local onde o banco está sediado”.

No entanto, para o membro do Conselho de Supervisão do BCE, a criação daquele mecanismo único de proteção dos depositantes europeus não é condição fundamental para o avanço da união bancária: “Não é necessário esperar pelo EDIS para avançar com a consolidação transfronteiriça”, afirma o português, que se mostra crítico relativamente aos progressos feitos na criação dessa rede de apoio aos depósitos na Europa. “O progresso no EDIS, o terceiro pilar da união bancária, está bloqueado há anos. Em 2022, o Eurogrupo – que reúne os ministros das Finanças dos países da área do euro – decidiu que se deveria avançar primeiro com o CMDI antes de prosseguir com outros elementos da união bancária, nomeadamente o EDIS”, acrescenta. “O acordo sobre o CMDI significa que esta condição foi cumprida. Esperamos que as discussões sobre o EDIS sejam retomadas em breve e que os Estados-Membros estejam prontos para avançar. Dito isto, ainda existem muitos obstáculos políticos a ultrapassar.”

Relativamente aos mecanismos de salvamento de bancos em dificuldade, o antigo administrador do Conselho Único de Resolução explica porque é necessário dar mais atenção às instituições financeiras de pequena e média dimensão: “Os acontecimentos de março de 2023, nos Estados Unidos – que levaram à falência do Silicon Valley Bank, que colapsou em dois dias na sequência de uma corrida aos depósitos – demonstraram que mesmo os bancos de pequena e média dimensão podem ser fonte de perturbação sistémica, especialmente quando a confiança se deteriora e o contágio se propaga pelos mercados.”

Para Pedro Machado, “isto sublinha a importância de dispor de um quadro de gestão de crises adequado e credível para lidar com a falência destas instituições de forma ordenada. Ao contrário dos bancos grandes, que geralmente dispõem de fontes de financiamento mais diversificadas e maior acesso ao mercado, os bancos pequenos e médios enfrentam desafios específicos no cumprimento do Requisito Mínimo de Fundos Próprios e Passivos Elegíveis (MREL)”.

“Devido à sua dimensão, modelos de negócio e menor atratividade para investidores, estes bancos têm geralmente acesso mais limitado aos mercados de capitais”, refere o responsável, adiantando que “tendem a cumprir o MREL sobretudo com fundos próprios, em vez de uma base mais ampla de passivos subordinados, incluindo passivos sénior não preferenciais. Esta limitação torna-se crítica quando um banco se aproxima da falência.”

Pedro Machado afirma que a reformulação do mecanismo de gestão de crises e garantia de depósitos (CMDI) está praticamente concluída, restando “algumas questões técnicas pendentes para encerrar totalmente o dossiê sob a Presidência Dinamarquesa da União Europeia. Esperamos que o pacote possa ser adotado rapidamente – talvez ainda antes do final do ano.”