A etapa-rainha da Volta a Portugal é sempre um capítulo à parte: a Torre decide, a Torre desgasta e, às vezes, a Torre surpreende. Desta vez, o protagonista inesperado foi Jonathan Caicedo. O equatoriano da Petrolike, discreto na geral, mas atento no dia certo, aproveitou a fuga para se lançar na glória. A dois quilómetros da meta, encontrou o esgotado Gonçalo Leaça - que fizera praticamente toda a subida desde a Covilhã na frente - e não lhe deu hipótese. Passou, isolou-se e selou a vitória no ponto mais alto de Portugal Continental.

Mas se a vitória do dia foi de Caicedo, o grande ganhador na batalha da geral foi Artem Nych. O russo da Anicolor chegou em segundo, 33 segundos atrás do vencedor, mas fez um estrago considerável aos rivais. Foi mais do que defesa: foi ataque calculado. Na Torre, não há onde esconder, e Nych mostrou que, mesmo numa subida que não é o seu habitat natural, pode ser letal.

Os números dizem tudo: 55 segundos (mais seis de bonificação) ganhos a Byron Munton (Feirense) e um minuto e seis a Jesús Peña (Tavira), que partiu para esta etapa a sonhar com a camisola amarela e terminou com ar resignado. Na tabela, Alexis Guerin sobe a segundo a 46 segundos do líder, Peña cai para terceiro a 1.20 minutos, Munton desce para quarto a 1.21. A Anicolor, além de vestir o amarelo, tem dois homens no pódio, e isso vale ouro nesta altura da corrida.

O dia começou com um guião clássico: fuga numerosa de 17 corredores ao km 20, vantagem de mais de 10 minutos para o pelotão e, na frente, Leaça a alimentar a esperança de um dia histórico. Mas a aproximação à Covilhã é sempre traiçoeira. Quando a estrada empinou e o público se juntou, a Anicolor assumiu as rédeas, partiu o pelotão e transformou a etapa numa questão de resistência.

E aqui houve surpresa tática: todos esperavam o ataque de Peña, mas foi Alexis Guerin a lançar a primeira cartada. Peña reagiu, mas logo levou com um contra-ataque de Nych, que aproveitou Pedro Silva (já adiantado) para aumentar a pressão. Foi um golpe duplo: o colombiano ficou sem resposta e ainda viu Guerin saltar para a frente, juntando-se ao líder. De repente, o Tavira parecia encostado às cordas, e a Anicolor jogava em ataque continuado.

Na frente, Leaça já sentia o peso de cada metro. A dois quilómetros da meta, Caicedo, vindo da fuga e sem preocupações de geral, passou por ele como quem troca de carril numa autoestrada, mantendo a vantagem até à meta. Nych ainda ultrapassou o português para ser segundo, levando na bagagem a maior vitória possível para quem já veste amarelo: tempo precioso e moral intacta.

A Torre mostrou, mais uma vez, que é palco para heróis improváveis e verdugos silenciosos. Caicedo leva a fotografia da chegada, mas Nych leva o controlo quase total da Volta. Quem quiser destroná-lo, vai ter de inventar algo grande. Muito grande. Porque, por agora, o russo não parece disposto a devolver nada do que conquistou.