
Kristaps Porziņģis ou tem as articulações de cristal dilaceradas, ou anda por aí com a sua figura esguia a metralhar lançamentos feitos de sítios onde o cesto quase só se vê com binóculos.
Alheio ao medo de que aviões possam roçar na sua cabeça, tão profundo no céu o seu pico se enterra, a bola sai-lhe com elegância das mãos, como se de um base se tratasse. Por isso, na NBA, onde faz estas coisas quando as lesões não o aprisionam, lhe chamam unicórnio.
O poste letão estava em chamas e mais incandescente ficava quando o viciante splash se ouvia, vincando o sucesso de um lançamento longo. “Obriguem o gajo a pôr a bola no chão” era a demanda do selecionador nacional, Mário Gomes, varrendo desesperadamente os cartuchos que saltavam dos tiros.
Qualquer zona atrás da linha de triplo pertencia à área de caça da Letónia, portadora de uma licença que parecia não caducar. Em Riga, um antro de animosidade para Portugal que efervescia a cada lançamento marcado, os Linces foram presas fáceis e somaram nova derrota no EuroBasket (78-62).
O volume de triplos (40 tentados, mais 22 do que lançamentos de dois pontos) e a partilha da bola para que estes fossem gerados obrigavam a empenho nas rotações defensivas. Kristaps Porziņģis (22 pontos, cinco triplos, em 25:38), membro do clube onde se reúnem aqueles capazes de gestos imparáveis, lançava acima dos 2,18 metros em que estaciona o cocuruto. Pior: não era o único a arder.
Para variar as soluções ofensivas, Portugal tentou explorar as debilidades defensivas de Davis Bertans cravando a bola em Travante Williams no poste baixo. O mismatch não foi aproveitado e, frustrado, o jogador do Le Mans rapidamente colocou duas faltas no cadastro, indo parar ao banco. Mais perto do final, viria a ser exceção.
A Letónia foi pouco perspicaz a antecipar que, mais tarde ou mais cedo, Portugal ia procurar Neemias Queta. Envolver o 88 deu uma supremacia fugaz. Mário Gomes optou por sobrepor os minutos do poste com os de Porziņģis, não tirando partido da maior verticalidade do gigante do Vale da Amoreira face às segundas linhas letãs. O alley-oop de Francisco Amarante para Queta foi exclusivo.
Arturs Zagars, o base que explodiu no Mundial 2023 e comandou a Letónia ao quinto lugar, lesionou-se quando tinha apenas cumprido 4:28 e marcado cinco pontos. Acoplada à notícia não veio um reforço das aspirações nacionais. Um segundo quarto em que Portugal anotou apenas sete pontos (e sofreu 27) dizimou a possibilidade de surpresa.
O basquetebol tem jogadas que parecem hieróglifos. Porém, os desenhos feitos na prancheta são inócuos quando o cesto está à disposição e nele se arrumam poucas bolas. A eficácia mínima de Portugal, tendência no EuroBasket, pede que se melhore a relação com a malha, porque disciplina até existiu (mais ressaltos e menos turnovers do que a Letónia).
O pouco descanso entre jogos não regenera totalmente as energias. A derrota por 41 pontos contra a Turquia assim o indica. Portugal, empenhado em ficar num dos quatro primeiros lugares do grupo A e chegar à fase a eliminar, não forçou nada contra a equipa anfitriã. Neemias Queta jogou apenas 19 minutos. Nesta fase de gestão, Portugal estranhamente encurtou uma diferença que chegou a ser de 22 pontos e ameaçou terminar com um resultado abaixo dos dois dígitos.
A exibição de Portugal foi mais digna do que a mostrada contra a Turquia, mas igualmente com défices de talento tanto normais como notáveis. Ainda assim, uma vitória contra a Estónia colocará a seleção onde quer estar.