
- Como avalia estes seis meses de Pedro Proença na presidência da Federação Portuguesa de Futebol?
- Há um legado deixado pelo doutor Fernando Gomes, quer do ponto de vista desportivo quer do ponto de vista das infraestruturas. Ele fez um trabalho notável. O desafio que se coloca a Pedro Proença é fazer mais e melhor. E há coisas que já estão a mexer.
- Quais?
- Por exemplo, a criação do Diretor Técnico Nacional da Arbitragem atribuído a um homem que tem paixão enorme pela arbitragem: Duarte Gomes. Acredito que se possa estar a abrir uma página nova no que à arbitragem diz respeito. Sente-se que há coisas a mexer e melhorar.
- Como é Pedro Proença enquanto pessoa? Parece ser uma figura afável e acessível, mas todos dizem que é também muito exigente. É assim?
- Perguntaste e respondeste. É mesmo assim. Afável mas muito profissional e muito exigente naquilo que faz e exigente para ele próprio e exigente para as pessoas que o rodeiam.
- Não terá sido fácil para si ouvir as críticas de Luís Filipe Vieira a Pedro Proença.
- Entendo a pergunta, mas quem tem de falar sobre isso não sou eu.
- Roberto Martínez, quando entrou na Seleção, teve uma herança pesada da parte de Fernando Santos. Como avalia estes dois anos e meio dele como selecionador?
- Um treinador normalmente é avaliado pelos resultados. E o doutor Fernando Gomes, quando terminou o ciclo do Fernando Santos [após o Mundial-2022], foi buscar um treinador para quatro anos. Para um Europeu e um Mundial. O Europeu, como sabemos, não correu bem, com Portugal eliminado pela França no desempate por grandes penalidades. Aí, eu ainda não estava. Mas agora, nas duas semanas em que estive com a Seleção mais de perto, não tenho qualquer dúvida: os jogadores estão com ele. Ele é um líder. E tem feito, na minha opinião, um bom trabalho. É sempre difícil ser consensual quando se é selecionador ou quando se é treinador, mas ele tenta ser o máximo coerente possível. Já o conhecia de alguns jogos do Benfica em que ele marcou presença e já tinha uma relação muito boa com ele. É um treinador de top mundial.
- Roberto Martínez parece ser uma pessoa muito serena e calma. É assim mesmo?
- Sim. É um indivíduo muito calmo, sereno e altamente profissional.
- Este grupo de jogadores é considerado uma espécie de Ferrari das seleções. Como é que tem visto Roberto Martínez enquanto piloto desse Ferrari?
- Sei que as opiniões se dividem, mas, por aquilo que vi nestas duas semanas, ele está muito bem no cargo. Porém, já que estás a falar na Ferrari, sabes em que lugar é que está no Mundial de Fórmula 1?
- Pronto: lixou-me. Está no segundo lugar.
- Isso. Ou seja, Roberto Martínez não anda a pilotar um Ferrari, anda a pilotar um McLaren. A Seleção não é um Ferrari, é um McLaren. Não percebo muito de Formula 1, mas os Ferraris de Hamilton e Leclerc não estão muito bem, pois não?
- Não.
- Então a pergunta mais correta seria como vejo o Roberto a pilotar este McLaren.
- E qual é a resposta?
- Tem mãos para o McLaren e já o provou.
- Falemos de um jogador que é um dos maiores talentos do futebol português dos últimos anos, mas a quem parece faltar sempre qualquer coisa para chegar ao topo: João Félix. O que lhe está a faltar?
- Vi o começo dele no Benfica e naqueles cinco meses esteve num plano excepcional, o que levou a que tivesse saído do Benfica pelos valores que saiu [120 milhões de euros]. Depois tem sido um sobe e desce constante, mas espero que o talento que existe no João Félix seja mais constante. Sendo mais constante, ele ganhará confiança e tornar-se-á no jogador que todos pensamos que pode ser. Posso fazer uma analogia?
- Claro.
- Quando fui treinar o Bordéus [1994/1995], o presidente do clube [Alain Afflelou] dizia que o Zidane [entre 1992 e 1996 no clube] só jogava 60 minutos por jogo. Tive uma conversa com ele e disse-lhe: «Os jogadores e o presidente dizem que só jogas 60 minutos, mas vais ver que vais jogar muito mais». Quando já íamos com mais de metade do campeonato disputado, mostrei-lhe os números: ele era quem mais minutos tinha jogado. O problema dele era de mentalidade. Quando a mudou deu no que deu. É neste ponto que o João Félix está. Espero que possa ter encontrado agora a estabilidade para poder jogar de forma constante e que as exibições dele se tornem mais consistentes. Qualidade e talento ele tem.
- O facto de ele estar a trabalhar com um treinador muito exigente como é Jorge Jesus e ir trabalhar ao lado daquela máquina que todos conhecemos que é o Ronaldo, pode ajudá-lo?
- Claro que sim. Ter um treinador que aposta nele e jogar com alguém com aquela mentalidade pode ajudá-lo, sim. Além de estar ao lado de outros grandes jogadores como Brozovic e Sadio Mané, por exemplo. Quem gosta de futebol está à espera que o João Félix se afirme definitivamente. Será um desperdício se assim não acontecer.
- A seguir à vitória na Liga das Nações, surgiu a trágica morte de Diogo Jota. Como lidou pessoalmente com esta perda?
- É uma tragédia que se abateu sobre o futebol português, que perdeu dois jovens, o Diogo e o irmão André. Perdemos uma referência da história do futebol português, há dias perdemos uma referência da história do FC Porto e do futebol português [Jorge Costa] e já antes desta houve o desaparecimento de um muito bom guarda-redes português [António Vaz]. Relativamente ao Diogo, não há palavras para confortar quem perde os pais, a mulher e os filhos de forma tão trágica. Fica uma dor profunda, sim, mas quem sofre muito mais são os pais, a mulher e os filhos, que estão a viver momentos de saudade tremenda.
- Chegou a ter ligação mais forte com o Diogo?
- Tive, tive. Ele foi decisivo no jogo cá com a Dinamarca, tal como foi o Trincão. Os dois acabaram por dar uma dimensão tremenda no 5-2. E vi dentro dentro dele aquela euforia de representar a Seleção. E nas refeições e nos finais do treino. Ainda tive oportunidade de trocar algumas palavras com ele. Agora, no Algarve, na Supertaça Cândido de Oliveira, estive de novo com os pais e disse-lhes que a dor que nós sentimos não é comparável à dor que eles sentem no coração.
- E ainda vai ser preciso um segundo luto, quando a Seleção voltar a treinar e a jogar. Como antecipa esses primeiros dias?
- Tenho pensado muito nisso e a falta do Diogo marcará o regresso da Seleção para os dois compromissos que vai ter em setembro. Não tenho qualquer dúvida.
- Falemos de outro momento triste, igualmente inesperado e trágico. Como era a sua relação com Jorge Costa?
- Muito boa. Desde logo, porque fazíamos anos no mesmo dia, embora houvesse 25 anos de diferença entre nós. O Jorge traduziu sempre em campo aquilo que era a sua alcunha: bicho. Ele era um bicho dentro do campo e muito boa pessoa. Era um homem de relação fácil. Defendeu e defendia o seu clube como eu defendi o meu. Era de uma entrega total, um líder e um guerreiro. Ele tinha aquilo que o novo treinador do FC Porto chama de ter o ADN do Jorge Costa dentro da equipa. Admirava-o muito enquanto jogador e também enquanto homem. Um dia, demos uma entrevista juntos, precisamente por fazermos anos no mesmo dia. É uma perda irreparável de alguém que parte cedo demais.
- Último tema. Acompanha a seleção há mais de 60 anos. Quais são os jogos mais marcantes de Portugal de que se recorda ao longo destas seis décadas?
- Os mais marcantes, claro, são os do Mundial de 66. Eusébio foi a figura número 1 desse Mundial e é um terceiro lugar que marca a história do futebol português. E há aquele golo no jogo com a Coreia do Norte em que ele dá 17 toques seguidos na bola e depois leva duas….
- Porradas?
- Isso. Leva duas porradas e sofre falta para penálti. Jogada inesquecível, num jogo inesquecível, de um jogador inesquecível. De 0-3 para 5-3!
- Mais algum?
- Sim, claro. O jogo e o golo do Carlos Manuel na Polónia [28 de outubro de 1983], que ajudou Portugal a ir ao Euro-1984, antes do decisivo Portugal-Rússia de 1983. Depois, aquele célebre golaço no Alemanha-Portugal, também do Carlos Manuel [6 de outubro de 1985], que nos leva ao Mundial de 86. E há ainda o Portugal-Inglaterra de 2000, com o Humberto a selecionador! E lembro-me do jogo do Cristiano Ronaldo com a Suécia [19 de novembro de 2013]…
- Fora de casa…
- Sim, nesse Portugal-Suécia, ele fez-me lembrar o Eusébio. E claro há a final com a França, em 2016, mas desse já falámos.
- Há pouco menti-lhe. Disse que era o último tema, mas este é que é mesmo: que faltou a Portugal para vencer o Euro-84?
- Estamos a ganhar e, a seis minutos de fim, a França muda e ganha. O foco esteve sempre nos quatro treinadores [Fernando Cabrita, José Augusto, António Morais e Toni] que Portugal tinha e que nós os quatro é que éramos os culpados daquilo tudo. Faltou-nos tentar roubar a bola aos franceses. Se estávamos a ganhar por 2-1 e tínhamos tanta qualidade técnica para ter a posse de bola, por que não conseguimos?
- Não sei…
- Não estavam reunidas as condições para que Portugal pudesse ir mais além, porque, com tanta instabilidade, acho que já fomos longe demais. Aquilo era um grupo altamente instável, que tinha a particularidade de só se unir dentro do campo. Mas dificilmente chegas às vitórias com um grupo completamente esfrangalhado. E dois anos depois, no Mundial do México, a situação não melhorou.
- Obrigado, Toni. E agora mande-me então a sua fotografia com o Cristiano.
- Ok, vou já mandar.
- E daqui a 11 meses mande-me outra com a Taça de Campeão do Mundo.
-Espero que sim, espero que sim…