Numa operação inédita, Brasília planeia emitir títulos denominados na moeda chinesa no mercado de capitais da China continental, revelou esta semana o secretário-adjunto do Ministério da Fazenda brasileiro, Dario Durigan, citado pelo jornal britânico Financial Times.

A medida visa diversificar fontes de financiamento e reforçar os laços financeiros com a China, acrescentou o responsável.

De acordo com o Global Times, a emissão de dívida denominada em yuan insere-se num "contexto de transformação económica" no Brasil, marcado pela necessidade de financiamento para obras de infraestruturas e modernização industrial.

O recurso ao mercado de capitais da China permitirá ao país sul-americano garantir taxas de juro mais baixas e reduzir a exposição à volatilidade cambial.

A rentabilidade dos títulos soberanos chineses a 10 anos ronda atualmente 1,68%, valor significativamente inferior aos cerca de 4,45% pagos pelos títulos do Tesouro dos Estados Unidos com o mesmo prazo, mas a desvalorização do dólar coloca um enorme ponto de interrogação em cima desta rendibilidade esperada.

O Global Times salientou que, em 2024, o yuan valorizou 3,99% face a uma cesta de moedas estrangeiras, refletindo "relativa estabilidade", apesar das incertezas geradas pela eleição de Donald Trump nos Estados Unidos e o abrandamento da economia chinesa, que enfrenta uma prolongada crise imobiliária e fraco consumo interno.

O debate sobre a criação de um sistema alternativo e a diluição do domínio do dólar ganhou força sobretudo após as sanções impostas pelo Ocidente à Rússia. Pequim e Moscovo acusam Washington de "utilizar o dólar como arma" e apresentaram no ano passado um novo quadro internacional de pagamentos como alternativa à rede global de mensagens bancárias Swift.

Em 2024, a utilização da moeda chinesa em transações transfronteiriças atingiu níveis recorde, impulsionada pelas trocas entre a China e a Rússia.

O crescimento do comércio liquidado em yuan foi também impulsionado pelas linhas de câmbio que Pequim abriu com a Arábia Saudita, Argentina e Mongólia. Novos bancos de compensação para o yuan foram ainda estabelecidos no Laos, Cazaquistão, Paquistão, Brasil e Sérvia.

Em maio, os bancos centrais da China e do Brasil assinaram um memorando de entendimento sobre cooperação estratégica financeira e renovaram o acordo bilateral de linhas de câmbio nas moedas locais.

A decisão do Brasil de emitir 'panda bonds', como são chamadas as emissões de dívida soberana na moeda chinesa, "é uma indicação clara da expansão do ecossistema internacional do yuan", vincou o Global Times.

Segundo o jornal, os 'panda bonds' tornaram-se uma das principais ferramentas de promoção da moeda chinesa nos mercados internacionais. Em 2024, foram emitidos cerca de 185,8 mil milhões de yuan (cerca de 22,5 mil milhões de euros) deste tipo de títulos no mercado interbancário chinês.

O volume acumulado nos primeiros quatro meses do ano atingiu 62,2 mil milhões de yuan (7,5 mil milhões de euros), mantendo uma trajetória de crescimento acelerado.

O Global Times considerou que a adesão do Brasil ao financiamento em yuan poderá ter um "efeito demonstrativo" na América Latina, região onde os países continuam fortemente dependentes do dólar norte-americano.

Segundo estimativas divulgadas pelo jornal chinês Economic Daily, o uso do yuan em liquidações transfronteiriças na região atingiu 14%, em 2024, quase cinco vezes mais do que em 2019.

A nível global, porém, o renminbi representa apenas 4,74% dos pagamentos internacionais, atrás do dólar, do euro e da libra esterlina, de acordo com os dados mais recentes.

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