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Mais cabras no curral

Quem vai programar a descida dos passadiços do Paiva sem saber se agosto não volta a reduzi-los a cinzas? O que faremos quando Portugal passar a ser visto como um país onde a época alta é vista como demasiado arriscada?
Mais cabras no curral

Todos os anos, todos os verões, acontece sempre o mesmo, com maior ou menor intensidade: incêndios florestais descontrolados, mas totalmente previsíveis e, em grande parte, evitáveis. Já não são tragédias inesperadas, são uma rotina nacional que se repete há décadas e que nenhum governo pretendeu resolver. Porquê? A verdade é que mesmo na guerra, há sempre que lucre.

Se estamos em guerra, como o primeiro-ministro Luís Montenegro afirma, então precisamos de uma estratégia de Defesa e de uma economia de guerra promovida pelo Estado, e não de metáforas prosaicas. Precisamos de um imenso exército de drones capazes de detetar o menor incêndio florestal — e nós até já temos uma empresa portuguesa que é líder nessa tecnologia! Se estamos em guerra, como o primeiro-ministro Luís Montenegro afirma, então queremos também mais coragem legislativa: tipificar o incêndio criminoso como ato de terrorismo. Quem coloca em risco vidas, património, floresta e economia, é um terrorista. Se estamos em guerra, como o primeiro-ministro Luís Montenegro afirma, então o que precisamos não é de uma frota de 120 aviões de passageiros distribuídos por quatro companhias aéreas públicas, mas sim de uma frota no mínimo equivalente de aviões de combate a incêndios.

Mas não.

Continuamos presos ao eterno debate lisboeta sobre a TAP e o aeroporto Luís de Camões e fazemos disso o centro da vida nacional. Que não é. O que é essencial chama-se educação, saúde, justiça, ambiente, habitação – e, claro, o direito de não ver a sua casa a arder. Já o Estado Central, mesmo nestas circunstâncias desoladoras, consegue ganhar: a venda da madeira queimada do Pinhal de Leiria em 2017 chegou aos 18 milhões de euros e em troca ficou a promessa de investir 6 milhões na recuperação do Pinhal. Da promessa à execução no terreno vai uma distância tão grande como de Lisboa a Leiria e nem mesmo o facto de a natureza servir o turismo, o “motor” da nossa economia consegue que a prevenção dos incêndios tenha prioridade máxima.

Que turista virá a Portugal se a Serra de Sintra fechar semanas a fio todos os verões? E quem vai programar a descida dos passadiços do Paiva sem saber se agosto não volta a reduzi-los a cinzas? O que faremos quando Portugal passar a ser visto como um país onde a época alta é vista como demasiado arriscada?

Tudo isto exige algo de muito básico: devolver população, economia e importância política ao interior. É difícil, sim, quando muitos destes vastos distritos elegem apenas dois ou três deputados em 230. Será que uma guerra contra os incêndios – os atuais e os que estão para vir – não é o suficiente para convencer o atual primeiro-ministro a realizar a prometida reforma do país?!

Parafraseando o desespero cru de quem vive no meio desta tragédia e que foi entrevistado pela televisão: "Precisamos de mais cabras no curral e menos cabrões no Pontal."

Docente em Sistemas de Transporte e consultor em aviação, aeroportos e turismo//Escreve semanalmente no SAPO

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