Há mais de 20 anos que Joaquim Parrinha pratica mergulho. Engenheiro agrónomo de formação, há muito que o potencial do mar o atrai. Em 2000 começou a produzir algas marinhas para consumo alimentar mas as dificuldades burocráticas acabaram por travar o desenvolvimento do negócio. Três anos passados, inaugurava a primeira escola de mergulho do Alentejo, a Ecoalga. Passou mais uma década. Em 2013 decidiu estagiar algumas garrafas de vinho no fundo do mar para oferecer aos comandantes dos navios de regata provenientes do Canadá que atracavam em Sines.

O que começou como uma brincadeira tornou-se o negócio principal do empreendedor que, em 2021 abria a Adega do Mar, uma adega subaquática onde estagia, a uma profundidade que pode ir de oito a 40 metros, principalmente vinhos, mas também ginja de Óbidos, rum e até azeite e mel, num total de 26 produtores que escolheram o ainda enigmático método de envelhecimento subaquático para conferir diferenciação aos seus produtos.

Atualmente com quatro localizações ao largo de Sines, uma das quais na ilha do Pessegueiro, em Porto Covo, a Adega do Mar é responsável pelo envelhecimento de vinhos provenientes de diversas regiões do país, do Douro ao Algarve. Com capacidade para armazenar 100 mil garrafas no oceano, tem atualmente 40 mil em estágio subaquático.

Mergulhar em busca de uma garrafa

Subaquatic Wine Tourism Experience
Subaquatic Wine Tourism Experience es photography studio

Além das adegas debaixo de água - com as garrafas bem acondicionadas e presas com redes em caixas abertas que garantem o maior contacto possível com o oceano - a Adega do Mar oferece experiências de enoturismo subaquático em várias possibilidades. Uma delas é proporcionada como prolongamento da visita a algumas adegas próximas, que adicionam à experiência de enoturismo “convencional” a possibilidade de viajar até Sines para um mergulho, resgatando do fundo do mar uma garrafa de vinho do produtor. Neste caso, o preço é definido por cada adega e depende, naturalmente, do néctar escolhido, sendo que a prova pode incluir o vinho subaquático e o que estagiou em terra, de modo a descobrir o que os une e o que os distingue.

Também é possível reservar diretamente com a empresa, que estagia os seus próprios vinhos. Neste caso, a experiência abrange viagem de barco até à Ilha do Pessegueiro, breve formação de mergulho, mergulho, resgate da garrafa e prova a bordo de vinho próprio: custa €150.

Além do vinho e outras bebidas, a Ecoalga também proporciona mergulhos em busca de outros tesouros, em torno do Parque Arqueológico Subaquático da Costa Alentejana que inclui, entre outros pontos de interesse, mais de 60 navios afundados. Outra possibilidade é mergulhar para descobrir a biodiversidade desta costa e “mostrar que temos vida debaixo d'água”, destaca Joaquim.

Um feliz acaso com champanhe no mar Báltico

Subaquatic Wine Tourism Experience
Subaquatic Wine Tourism Experience © Celestino Santos

Envelhecer o vinho no fundo do mar é uma tendência em crescimento em vários países e também em Portugal. Tudo começou quando, em 2010, nos destroços de um naufrágio no mar Báltico, foram encontradas 168 garrafas daquele que será o champanhe mais antigo do mundo. Dominique Denmarville, especialista da empresa Veuve Clicquot, provou e analisou o conteúdo das garrafas para descobrir que não só o champanhe estava em perfeitas condições de consumo como tinha adquirido caraterísticas singulares.

Quatro anos depois, a conhecida marca francesa lançou o “Cellar in the Sea”, depositando cerca de 350 garrafas no Báltico que se prevê, ficarão submersas durante 40 anos, sendo o seu conteúdo periodicamente provado e analisado.

A tendência, principalmente aplicada aos vinhos mas também a outros produtos – na Adega do Mar envelhecem rum e Ginja de Óbidos Vila das Rainhas, e Joaquim Parrinha já colocou em estágio subaquático produtos como azeite – “fica sem acidez nenhuma, garante”, mel e até conservas – motivou a organização do primeiro evento exclusivamente dedicado ao enoturismo subaquático.

Em Sines, terra natal do navegador Vasco da Gama, durante os dias 20 e 21 de junho, a primeira edição do Subaquatic Wine Tourism Experience” iniciativa organizada pela Entidade Regional de Turismo do Alentejo e Ribatejo e pela Câmara Municipal de Sines, contou com a conceção e produção da Associação Portuguesa de Enoturismo (APENO) com epicentro no hotel Sines Sea View.

O que distingue um vinho envelhecido no mar?

Subaquatic Wine Tourism Experience
Subaquatic Wine Tourism Experience © Celestino Santos

“Pela primeira vez em Portugal, demos forma a um evento inteiramente dedicado ao enoturismo subaquático e orgulho-me em dizer que foi um êxito. Lançámos o debate para uma questão muito pertinente: o vinho envelhecido no mar fica, de facto, diferente do seu homólogo envelhecido em terra? Uma pergunta que não ficou sem resposta, quer a nível sensorial, quer a nível científico. Demonstrámos que o envelhecimento subaquático é, mais do que uma curiosidade, um território a explorar com seriedade, criatividade e respeito pelo meio. Penso que se abriu uma nova fronteira na produção de vinhos com envelhecimento subaquático, um processo cada vez mais procurado pelos produtores nacionais”, resumiu Maria João de Almeida, presidente da Associação Portuguesa de Enoturismo (APENO) e consultora de vinhos e enoturismo.

Além da possibilidade de retirar garrafas de vinho envelhecido no fundo do mar, que diversos jornalistas nacionais e internacionais tiveram a oportunidade de experienciar, um dos momentos altos do evento foi a prova comentada de vinhos subaquáticos com o sommelier Rodolfo Tristão e a presidente da Associação Portuguesa de Enoturismo, Maria João de Almeida, que permitiu comparar entre vinhos envelhecidos no mar e em terra.

Para Rodolfo Tristão, “nem sempre vinhos [submersos] ficam macios. Alguns ficam até com maior acidez”, aponta, garantindo que compara “os vinhos com as pessoas: às vezes é preciso ter mais um pouco de paciência com elas”.

A prova, onde foram degustadas e comentadas as diferenças entre néctares selecionados a partir dos envelhecidos na Adega do Mar ajudou a ajudou a comparar caraterísticas de vinhos envelhecidos no mar e em terra. Mas é ainda cedo para tirar conclusões, já que cada vinho apresenta evoluções distintas que não permitem, para já, estabelecer um padrão. Sabe-se, no entanto, que vinhos mais estruturados apresentam maior evolução no fundo do mar quando comparados com vinhos de perfil mais simples.

Biodiversidade e estética

Subaquatic Wine Tourism Experience
Subaquatic Wine Tourism Experience es photography studio

A profundidade a que as garrafas estagiam determina a evolução do vinho, mas também as caraterísticas estéticas da garrafa, esclarece Joaquim Parrinha, assumindo que a localização de cada adega respeita a biodiversidade marítima e confere diferentes caraterísticas às garrafas de vidro. Quando resgatadas do fundo do fundo do mar, vêm enfeitadas com conchas e outros resíduos marinhos, já que a vida natural subaquática se “agarra” às garrafas, com mais ou menos intensidade. Este detalhe ajuda também, de acordo com empreendedor, a divulgar a biodiversidade, já que é necessário conhecer a localização das diversas espécies que irão revestir o exterior das garrafas.

Além dos vinhos de diversos produtores oriundos de regiões vitivinícolas tão distintas como Dão, Península de Setúbal ou Alentejo, como A Serenada, Torre de Palma, Já Te Disse, Monte da Carochinha ou No Rules Wines, foram também provados Rum e ginja de Óbidos Vila das Rainhas.

“Marroir” ou o terroir do mar

Subaquatic Wine Tourism Experience
Subaquatic Wine Tourism Experience © Celestino Santos

No segundo dia, o programa focou-se na ciência e no conhecimento empírico, unindo numa mesa redonda investigadores e produtores sob o temaVinho Submerso: Evidência Científica ou Curiosidade?” Joaquim Parrinha (Adega do Mar), Jacinta Sobral (Quinta da Serenada/Associação dos Produtores da Costa Alentejana), Pedro Martínez (Bodega Verónica, Espanha), Maria João Cabrita (Professora Doutorada — Ciências Agrárias na Universidade de Évora) e Cristina Barrocas Dias (Professora Doutorada — Química e Bioquímica na Universidade de Évora) que debateram a ainda pouco estudada evolução subaquática das bebidas submersas.

O vinho é “um ser vivo, que está constantemente em evolução”. Quando comparado, depois do estágio em terra e no mar, argumentou Cristina Barrocas Dias, docente de Química, destaca-se a temperatura, a luz e a profundidade em que o vinho está submerso, capazes de provocar alterações naturais, seja a nível de cor, de adstringência e do próprio envelhecimento do vinho, que no caso do tinto, “tem mais compostos fenólicos, sendo mais protegido da oxidação no mar”.

“Se temos um meio diferente, no mar, os equilíbrios que se estabelecem serão diferentes, logo o produto em terra e no mar será também diferente. Seja nos compostos relacionados com o aroma, seja a nível do processo de envelhecimento, que será mais acelerado do que em terra, tendo em conta que não há tanto oxigénio na garrafa que é afundada”, destacou, por sua vez, Maria João Cabrita que usou, pela primeira vez, um novo termo para definir o meio ambiente em que se encontram estes vinhos de envelhecimento subaquático: “o marroir, em vez do terroir em terra”.

A partilha entre produtores nacionais e internacionais, como Pedro Martínez (Espanha) e Jacinta Sobral (Costa Alentejana), reforçou a dimensão colaborativa e internacional do tema.

Onde provar vinho subaquático?

Restaurante Alma Nómada em Porto Covo
Restaurante Alma Nómada em Porto Covo © Celestino Santos

Além dos diversos produtores que podem incluir esta prova, simples ou comparada, nos seus portfólios de enoturismo, em Sines, e através da Adega do Mar, é possível acompanhar a refeição com vinhos envelhecidos no mar no restaurante Alma Nómada, em Porto Covo, e no Volta do Mar, em Sines.

Evento “pioneiro”, a Subaquatic Wine Tourism Experience, organizada pela Entidade Regional de Turismo do Alentejo e Ribatejo e pela Câmara Municipal de Sines, com conceção e produção da APENO e apoio da Agência Regional de Promoção Turística do Alentejo, teve como objetivo “lançar o debate” em torno do “envelhecimento subaquático”, enquanto “nova fronteira na produção e promoção de vinhos”.

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