
Portugal combina dois fatores que, à superfície, parecem uma boa notícia para os consumidores: uma das melhores infraestruturas de telecomunicações da Europa e alguns dos preços mais baixos do continente. Mas António Coimbra alerta, em declarações ao Expresso, para a outra face da moeda — as receitas do setor caíram 17% entre 2010 e 2023, enquanto o investimento aumentou. Nos últimos três anos, os operadores aplicaram 1,5 mil milhões de euros em redes e infraestruturas, mais 50% face ao triénio anterior.
Para o presidente da APRITEL, esta equação é insustentável a prazo. A pressão para manter preços baixos está a corroer as margens e a colocar em risco a capacidade de financiar o próximo ciclo de modernização tecnológica.
O ponto mais crítico, segundo António Coimbra, é a incerteza em torno das licenças de espectro, especialmente nas faixas de 800 MHz e 2100 MHz, que expiram em 2027. A dois anos dessa data, não há clareza sobre se serão renovadas, se haverá novo leilão ou se será exigido novo pagamento. Num setor onde o retorno do investimento demora pelo menos uma década, esta falta de previsibilidade é, nas palavras do líder da APRITEL, ao Expresso, “insuportável” e um travão ao investimento.
A proposta é aumentar a duração das licenças para 30 ou 40 anos, alinhando Portugal com mercados como EUA, Japão e China, e com as recomendações do Relatório Draghi.
Huawei: decisão maximalista
Um dos temas mais sensíveis levantados por António Coimbra é a forma como Portugal implementou a retirada de fornecedores de risco, em particular a chinesa Huawei. Ao contrário de Espanha e Alemanha, que limitaram as restrições apenas a elementos críticos da rede, Portugal optou por afastar a Huawei de toda a infraestrutura.
O resultado, segundo António Coimbra, foi um estreitamento significativo das opções para os operadores, o que encarece projetos e limita a capacidade de negociar com fornecedores. Na prática, esta decisão colocou o país em desvantagem competitiva face a vizinhos que mantiveram maior flexibilidade tecnológica.
A escala reduzida do mercado português, aliada à existência de quatro operadores com rede própria, conduz inevitavelmente a um cenário de consolidação, afirmou ao Expresso António Coimbra. A comparação com os EUA, que com 330 milhões de habitantes passaram de quatro para três operadores, serve de contraponto a uma estratégia nacional que, segundo o dirigente, inverte a tendência internacional.
Custos, energia e classificação como infraestrutura crítica
As taxas pagas pelo setor ultrapassam 120 milhões de euros anuais, com valores de espectro 86% superiores à média europeia. Cada euro aplicado em taxas é um euro retirado ao investimento em inovação e expansão de rede.
O apagão energético de abril revelou também a vulnerabilidade das redes. António Coimbra defende que as telecomunicações devem ser consideradas infraestrutura crítica, garantindo prioridade no acesso a combustíveis e na reposição de energia. O objetivo não é criar redes imunes a apagões longos — algo financeiramente inviável — mas assegurar que, no regresso da energia, as comunicações são restabelecidas de forma prioritária.
Sem previsibilidade regulatória, escala suficiente e liberdade de escolha tecnológica, Portugal arrisca-se a perder a próxima revolução digital. Tal como aconteceu na revolução industrial, a oportunidade poderá escapar. Para António Coimbra, a solução passa por recentrar o debate — menos obsessão com o preço, mais foco na sustentabilidade e no investimento que sustentará a economia digital nas próximas décadas.