Em Évora, na Rua Diana de Liz, onde o trânsito flui diariamente, um mural ergue-se silencioso mas eloquente, convocando o olhar dos que por ali passam. A obra, promovida pela Associação Ser Mulher e executada pela artista Mariana Duarte Santos, pretende celebrar os direitos humanos das mulheres no contexto dos 50 anos do 25 de Abril. Mais do que um gesto simbólico, trata-se de uma intervenção artística com um propósito educativo e transformador.

«Isto é um mural que a Associação Ser Mulher levou a cabo como uma iniciativa que fazia parte de um apoio que era dado pela Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género», explica Ana Beatriz Cardoso, dirigente da associação sediada em Évora. A proposta previa a criação de uma peça de arte urbana por uma artista mulher, que refletisse as conquistas das mulheres no regime democrático e evocasse o papel do 25 de Abril na sua emancipação.

Para a responsável, a arte desempenha um papel crucial na promoção da igualdade: «Acreditamos que a mensagem da arte tem este poder verdadeiramente transformador de mentalidades». E acrescenta: «As cidades estão cheias de monumentos a homens. E as mulheres? Onde estão as cuidadoras, as artistas, as anónimas que contribuíram para a história?».

O convite endereçado a Mariana Duarte Santos foi resultado de uma seleção cuidada. A artista já era conhecida da associação pelo seu trabalho em murais anteriores e por se identificar com causas de justiça social. «Fui convidada pela Associação Ser Mulher. Aceitar este desafio foi natural, é um tema com o qual me identifico. Houve muitas conversas até chegarmos a este ponto», refere a artista.

O mural divide-se em três partes. À esquerda, uma imagem captada na altura do 25 de Abril mostra uma mulher com um cravo na boca. No centro, uma representação da conquista da liberdade. À direita, uma ceifeira alentejana, figura simbólica do trabalho feminino fora dos grandes centros. «Queria mostrar que as mulheres fizeram o 25 de Abril por todo o país, não só em Lisboa. Essa luta foi – e é – transversal», sublinha a Mariana Santos.

Optando por tons monocromáticos, a escolha do preto e branco tem um propósito deliberado. «Trabalho muito com fotografias antigas. Quero capturar memórias e provocar questões: como é que o passado influencia a vida das pessoas hoje?», diz Mariana. E remata: «Gosto que as minhas pinturas vivam com as pessoas, que criem conversas sem impor um discurso agressivo».

A concretização do mural foi o resultado de um processo prolongado. «A Mariana fez no total 16 maquetes para cinco ou seis sítios diferentes», revela Ana Beatriz Cardoso. A associação enfrentou recusas e obstáculos, mas não desistiu. «Começámos a falar com a Mariana há cerca de um ano e meio. Foi um processo longo, mas nunca desistimos».

Este mural, localizado em Évora, é apenas o primeiro de uma série que a associação pretende desenvolver noutros concelhos. «Queremos replicar esta iniciativa por todo o distrito», refere a responsável. A associação, que tem protocolos ativos com nove municípios, pretende combinar arte contemporânea com elementos do artesanato tradicional alentejano para transmitir mensagens de igualdade e direitos humanos.

Já foram lançadas campanhas que reinterpretam ícones do património imaterial da região. «O amor é cego» deu lugar a «O amor não é cego, o amor é partilha, respeito, igualdade». Os chocalhos de Alcáçovas tornaram-se em corações para afirmar que «no amor, só o coração é que bate». A próxima campanha irá utilizar os tapetes de Arraiolos.

Apesar da sua dimensão e impacto visual, o mural não contém texto. «Não incluímos palavras porque achávamos que as imagens valem por si. Elas mostram a evolução do papel das mulheres e a sua capacidade de superação», explica Ana Beatriz Cardoso.

A imagem central representa essa superação, afastando-se dos símbolos convencionais da violência. «Tem a mão aberta, mas é uma imagem de alegria. Queremos mostrar que defender os direitos das mulheres também pode ser feito com alegria e expressividade».