
Há jogadores que parecem feitos para complicar, para adornar cada momento de gestos técnicos exuberantes, deixando-se levar pela vaidade de embelezar a jogada mesmo que isso, tantas vezes, em nada beneficie a equipa. Mesmo que não a prejudique. E há outros, raros, que fazem exatamente o contrário: transformam a complexidade em clarividência. Pedro Gonçalves é um desses génios das coisas simples. Alguém que torna sempre mais forte a equipa em que joga e com uma regularidade que só lesões inoportuna têm atrapalhado.
Na Choupana, diante de um Nacional que até marcou primeiro, mas sucumbiu com apenas dez do seu lado, voltou a provar porque continua a ser uma das figuras maiores do Sporting de Rui Borges, tal como era antes do Ruben Amorim. Três golos e uma assistência seriam, só por si, argumento suficiente para todos os elogios, porém as estatísticas nunca contam toda a história. O que faz dele especial não é apenas o número de vezes em que decide jogos, porém a forma como o faz: lendo o espaço antes de todos os outros, atacando-o no momento certo e acionando o passe ou o remate com uma naturalidade quase desumana.
Parece fácil. Geralmente, é assim com os de QI elevado. Não há muitos que o acompanhem tal velocidade de raciocínio na nossa Liga. Infelizmennte.
Pedro Gonçalves não tem a velocidade de outros craques ou a exuberância física que tantas vezes marca a diferença. O que ele tem é uma mente permanentemente ligada, a melhor definição que poderia existir de intensidade, e uma capacidade de antecipação que o coloca sempre dois passos à frente. Quando a bola lhe chega, já viu tudo. Quando encara a baliza, já sabe onde vai colocar, nem que seja da forma menos ortodoxa. Quando recebe entre linhas, já tem a resposta do tempo que precisa até soltar. Essa lucidez é o seu maior talento.
Diante do Nacional, foi o rosto do leão competitivo e letal. Inteligente e eficaz, ainda que tenha devido mais um golo a si próprio, que esbarrou na trave. E ainda ofereceu de bandeja o de Harder com a naturalidade de quem serve o jantar. Nesse passe simples, quase banal, revelou a essência do seu jogo: potenciar a equipa.
O futebol é, muitas vezes, um desvario de correria e músculo. Ele mostra-nos que continua a ser, acima de tudo, um jogo em que se tem de pensar. Enquanto houver jogadores assim, que descomplicam, teremos sempre espaço para o génio. Como se viu no Funchal.
Orlando Fernandes