No desporto, como na vida, há linhas que não devem ser ultrapassadas. A ética é uma delas. Não pode ser adaptada ao sabor das conveniências, nem manipulada consoante a cor da camisola, os jogos de bastidores ou o ressentimento que se carrega. Os valores éticos não são negociáveis. São alicerces. São norte.

Vivemos tempos em que a polarização, o tribalismo e o imediatismo tendem a intoxicar o espírito desportivo. Há quem relativize comportamentos reprováveis se forem praticados pelos “nossos”. Há quem aplauda a esperteza, mesmo quando ela tresanda a falta de integridade. Há quem, de forma oportunista, grite por ética apenas quando esta serve os seus interesses. Mas a ética não se invoca — pratica-se. A ética é o comportamento intrínseco. É o carácter que se revela, sobretudo, quando ninguém está a ver.

Num tempo cada vez mais condicionado pelas redes sociais, esta bússola ética enfrenta ventos fortes. As plataformas digitais tornaram-se arenas de julgamento instantâneo, onde a indignação é muitas vezes seletiva e o insulto ganhou estatuto de argumento. Os mesmos que se dizem defensores da verdade e da justiça, não raras vezes, alimentam o ódio, a difamação e a intolerância em nome de uma suposta paixão pelo clube. O desporto transforma-se, aí, numa trincheira emocional onde vale tudo — desde que sirva para atacar o adversário.

Mas a ética também se aplica no digital. O respeito, a verdade, a responsabilidade e a ponderação não ficam à porta do ecrã. O que escrevemos, partilhamos ou silenciamos tem impacto. Forma mentalidades. Espelha quem somos.

A bússola ética desportiva deve orientar dirigentes, treinadores, atletas, pais e adeptos. E não apenas nos momentos de vitória. É sobretudo na derrota, na frustração e na pressão que os valores são verdadeiramente postos à prova. É fácil ser ético quando tudo corre bem. O verdadeiro teste surge quando a adversidade bate à porta.

No desporto de formação, este compromisso ético é ainda mais decisivo. Cada palavra, cada atitude, cada silêncio, molda consciências em crescimento. Educar para o desporto é educar para a vida. E a vida, como o jogo, exige escolhas permanentes entre o que é fácil e o que é certo. Entre o que dá resultado e o que dá exemplo.

A ética não é um adereço moral. É a base da confiança, da justiça, do respeito mútuo.

Quem a trai, por conveniência ou clique, transforma o desporto num campo de batalha cínico, onde vale tudo para ganhar — mesmo perdendo a dignidade pelo caminho.

É tempo de recentrar o debate, de recordar que o desporto não é apenas espetáculo ou resultado. É formação, é convivência, é superação pessoal e coletiva. E tudo isso só faz sentido se for vivido com integridade.

A bússola existe. Que não a deixemos enferrujar.

Vitor Santos
Embaixador do Plano Nacional de Ética no Desporto