
“aponte SEM RODEIOS” lança um olhar crítico sobre os incêndios que voltam a devastar o país. Entre promessas não concretizadas, helicópteros encostados e kits que nunca chegaram. O interior continua abandonado, sem cadastro completo, sem serviços públicos e sem operacionais para pilotar os meios que existem.
Todos os verões, o país volta a arder. E todos os anos, o discurso repete-se: falta de meios, promessas por cumprir, e um interior cada vez mais esquecido. No primeiro programa aponte SEM RODEIOS, Vítor Morgado lança uma análise crítica sobre o estado da prevenção e do combate aos incêndios em Portugal com especial atenção ao impacto regional.
A prevenção dos incêndios começa muito antes das chamas. E começa, sobretudo, no ordenamento do território. O cadastro geométrico, que deveria identificar todos os terrenos e respetivos proprietários, está incompleto desde os anos 60. Em 2017, o Estado transferiu para os cidadãos a responsabilidade de cadastrar terrenos através do sistema o BUPi (Balcão Único do Prédio) iniciou-se em 2017 como um projeto piloto em 10 municípios portugueses. A adesão foi baixa, e vastas zonas do país continuam sem registo formal.
“O cadastro parou em Castelo Branco. No Algarve e em algumas zonas da Madeira, o registo é parcial ou inexistente. Sem saber quem é dono de quê, torna-se impossível planear, vigiar e prevenir”, sublinha Morgado.
A concentração populacional e económica no litoral agrava o problema. Hospitais, repartições de finanças e estações dos CTT desaparecem do interior, deixando comunidades isoladas. “O país económico tende para o litoral, mas o país político devia olhar para o interior”, defende Morgado. A descentralização é urgente e possível.
A gestão dos meios de combate aos incêndios revela falhas graves. Em 2015, foi preparado um dossier para aquisição dos aviões Canadair, que nunca chegaram. Os helicópteros Puma da Força Aérea Portuguesa, idênticos aos usados em França, estão encostados na Base Aérea de Beja. Os kits de combate para os C-130, anunciados em Ponte de Sor, não avançaram. Os KC-390 da Embraer já combatem incêndios noutros países. Há esperança no avião Lus 222, que vai ser montado em Ponte de Sor, que poderá ser adaptado para combate a incêndios. Mas tudo depende da procura e da vontade do mercado.
A desmilitarização e o fim do serviço militar obrigatório deixaram o país sem operacionais para pilotar as aeronaves. Os salários desajustados afastam os profissionais, e mesmo com a meta de 5% do orçamento para a Defesa, os meios continuam por adquirir.
A comunicação social e os gestos políticos também entram em cena. Vídeos de figuras públicas a apagar incêndios, como o deputado André Ventura, geram polémica. Há quem compare com o gesto do Ex-Presidente da República, Ramalho Eanes, mas o aproveitamento político é evidente. Ainda assim, a proposta de comissão de inquérito pode manter o tema dos incêndios na agenda pública para além do verão.
O ressarcimento dos prejuízos é outra promessa do governo. Casas de primeira habitação foram anunciadas como prioridade, mas até agora não há decreto-lei que confirme as medidas. Municípios como Castelo de Vide prometeram apoios, mas a concretização continua incerta.
aponte SEM RODEIOS não pretende dar respostas fáceis, mas sim abrir espaço para reflexão. O cadastro, o abandono do interior, a gestão dos incêndios, são peças de um puzzle que exige coragem política, visão estratégica e compromisso com o futuro.