Esta semana, Lionel Richie subiu ao palco da MEO Arena, em Lisboa, num concerto integrado na digressão europeia “Say Hello To The Hits”. Mas, a atuação do artista, que aconteceu na terça-feira, 29 de julho, foi muito mais do que um desfile de êxitos. Trouxe memórias, mensagens de esperança e uma entrega irrepreensível, num concerto em que a voz, a simpatia, o humor e a humanidade do artista brilharam tanto quanto os lasers e as luzes do espetáculo.

O concerto abriu com um genérico em vídeo que percorreu momentos da sua carreira — capas de discos, imagens de palco e fotografias icónicas, tanto do cantor a solo, como nos Commodores — até surgir em letras garrafais o nome que todos ali esperavam – Lionel Richie. Segundos depois, com a sala mergulhada em penumbra, um holofote aponta e descobre o esperado artista. Irromperam os primeiros aplausos da noite.

Os primeiros sons que soaram na MEO Arena foram do icónico “Hello”, a forma perfeita do artista cumprimentar os milhares que encheram a lotação da maior sala de espetáculos do país. O público respondeu de pronto com mais aplausos e não se rogou quando a música chegou ao refrão para responder, em uníssono, também um “Hello, Is it me you’re looking for?”, substituindo mesmo a voz do cantor que, sorridente, pediu ao público para o ajudar a cantar, distribuindo beijos com a mão quando a letra da canção chegou a “I want to tell you so much, I love you”.

Foi um começo de concerto cheio de coração, com uma química entre artista e público, em que Lionel Richie mostrou, em poucos minutos, aquilo que tinha destacado, em entrevista à Forbes, quando referiu que é “alguém que faz parte da família” das pessoas que o ouvem. E estava mesmo em família ali.

Vestido com um casaco branco, com corte em estilo de asa de grilo, t-shirt preta e calças de ganga pretas, Richie mostrou o ícone que é: voz afinada, tom melodioso, presença comunicadora, energia contagiante. Aos 76 anos, percorreu o palco de ponta a ponta com uma leveza surpreendente. A voz está como nova e a parte física pareceu estar ótima, mas, sem rodeios e com humor, não se escusou de brincar com esse facto: “Já ando neste mundo artístico ‘há 200 anos’ [risos do público]. Vocês devem estar a perguntar-se como é que eu estou e como me sinto. Pois bem, posso dizer-vos que tenho dores!”, atirou, apontando para o joelho e arrancando gargalhadas.

Lionel Richie dançou, cantou e fez Lisboa dançar com ele. A MEO Arena respondeu em peso — várias gerações unidas pela música de um homem que soube transformar o palco numa celebração de vida.

No exterior da sala de espetáculos, a noite era de verão, na casa dos 30 graus, mas – um elogio à organização da MEO Arena – o ar condicionado funcionou muito bem, permitindo viver o espetáculo com conforto térmico. Lionel Richie fez questão de sublinhar tudo isso, após cantar “Running with the night”, ainda logo na parte mais inicial do show: “Estamos em Lisboa? É que sou do Alabama e moro em Los Angeles, Califórnia, e lá costuma estar calor. Mas posso dizer-vos que aqui em Lisboa está também calor. Podemos dar-nos por satisfeitos por estarmos aqui dentro, onde estamos seguros deste calor e ninguém vai explodir de combustão espontânea!”. O comentário divertiu as pessoas.

Uma viagem entre décadas — e emoções

Seguiram-se sucessos como “Easy”, “My Love”, “Penny Lover”, “Stuck On You” ou “Sail On”, que aqueceram os corações e iluminaram a MEO Arena com centenas de lanternas de telemóvel. À medida que se sentava ao piano branco, tocando com mestria e naturalidade, Lionel Richie provava que a sua ligação às baladas é tanto técnica como emocional.

Mas nem só de romantismo viveu a noite. Com “Brick House”, “Fancy Dancer” ou “Lady (You Bring Me Up)”, o artista mostrou que continua para as curvas, com os seus vários êxitos dos anos 70, 80, 90, anos 200 e anos 2010.

Em “Brick House”, as labaredas verticais, que faziam parte da parte cénica do espetáculo neste tema musical, elevaram por instantes a temperatura da sala. No final da atuação desta mais mexida canção, Lionel Richie meteu-se com os seus músicos para saber se tinham tido calor. O baterista disse que quase ficou sem cabelo e outro elemento, o teclista, respondeu em espanhol: “Mucho calor!” — e toda a plateia se riu novamente.

Já sem a casaca branca, e sempre bem humorado, Richie não deixou passar a oportunidade de brincar com o entusiasmo do público português, dizendo: “É inacreditável! As pessoas vêm a um espetáculo… e querem substituir o artista a cantar. Onde é que já se viu isto?!”

De todas as canções mais ritmadas tocadas em Lisboa, a que, porventuura, gerou mais entusiasmo foi a eletrizante “Dancing on the ceiling”, que se seguiu à também muito aplaudida “Destiny”, que colocou (novamente) os espetadores rendidos e a cantar, dançar e bater palmas.

Um espetáculo feito de amor

A setlist foi uma autêntica viagem no tempo pela sua carreira, do soul ao R&B (recordando pelo meio Diana Ross, em “Endless Love”), da Motown ao pop, com clássicos como “Three Times a Lady”, “Truly”, “Still” e “Say You, Say Me”, esta última num momento mais intimista, com o norte-americano a tocar num piano preto que subiu, numa plataforma elevatória, a partir do centro do palco.

Depois veio o clímax emocional, considerando as intolerâncias e radicalismos atuais e as guerras que atingem várias partes do globo e que marcam os nossos dias: “We Are The World”, escrita por Lionel Richie em conjunto com Michael Jackson para o mítico Live Aid e que, em 2025, assinala os seus 40 anos. Lionel Richie apelou à fraternidade entre as pessoas e disse não perceber por que motivo dentro desta sala de espetáculos há tanto amor e lá fora o mundo está em guerra: “What’s wrong with the world outside?”.

Antes de cantar “We are the world”, Richie fez um poderoso apelo à empatia: “Há duas palavras que quero que todos conheçam, porque é muito importante. Estou sempre a ouvi-las e usamo-las quando estamos sempre a descrever um grupo de seres humanos como ‘aquelas pessoas’. E eu fiz uma pesquisa: essas pessoas têm mães, pais, irmãs, irmãos, primos, tias, tios, avós, avôs. Têm celebrações como nascimentos, casamentos, aniversários. Têm tragédias, têm sofrimento. Chama-se a isso seres humanos, a experiência humana. E estas canções que temos estado a celebrar esta noite têm tocado todas e cada uma dessas emoções. Quero cantar agora uma canção que tive a oportunidade, o prazer de escrever com o meu querido amigo Michael Jackson. E esta noite, quero cantar essa canção convosco. Nós somos o mundo. We are the world. Acendam as vossas luzes [dos telemóveis], acendam as vossas luzes”. E com as luzes dos telemóveis erguidas, a sala tornou-se um céu estrelado num momento comovente de união.

O concerto terminou em festa total, com “All Night Long” e Lionel Richie a atuar de jaqueta verde-escura com brilhantinas. O público saiu com o coração cheio e a certeza que Lionel Richie não é apenas uma lenda da música — é um embaixador da alegria, do amor e da humanidade. Que Lisboa não esquece.