Num mundo onde a opacidade semeia desconfiança e a corrupção corrói os alicerces da convivência colectiva, a Prestação de Contas emerge como a coluna vertebral da integridade institucional e da legitimidade democrática. Não se trata de mera burocracia: é o oxigénio da boa governação e o antídoto contra o abuso de poder. Seja no sector público, que maneja o erário, seja no privado, que administra bens de accionistas, clientes ou investidores, há cinco pilares essenciais que sustentam uma cultura de prestação de contas robusta e geradora de confiança:
- A ESSÊNCIA – TRANSPARÊNCIA NA GESTÃO DE RECURSOS (O que é?)
Prestar contas é o dever inalienável de demonstrar, de forma clara, precisa e verificável, como os recursos — financeiros, materiais ou humanos — foram obtidos, geridos e aplicados.
No sector público, significa mostrar como o dinheiro dos contribuintes foi canalizado para políticas públicas essenciais, como a saúde, a educação ou as infra-estruturas (exemplos: relatórios de execução orçamental, portais de transparência).
No sector privado, implica revelar a verdade sobre a saúde financeira da empresa, os riscos assumidos e o grau de cumprimento das obrigações legais (exemplos: demonstrações financeiras auditadas, relatórios de sustentabilidade).
Trata-se de lançar luz sobre os cantos escuros, impedindo que a má gestão se esconda na sombra da ignorância colectiva.
Fonte: Princípios da OCDE sobre Governança Pública e Corporativa.
- OS RESPONSÁVEIS – QUEM SEGURA A CANETA? (Quem deve prestar contas?)
A obrigação de prestar contas recai sobre todos os que detêm poder de decisão e gerem recursos que não lhes pertencem.
No sector público: governantes, ministros, autarcas, dirigentes de organismos públicos — todos devem responder pela forma como exercem o seu mandato (exemplo: um Presidente de Câmara que justifica publicamente os gastos com obras municipais).
No sector privado: administradores, directores executivos e conselhos de administração devem reportar aos seus accionistas e reguladores (exemplo: um CEO que apresenta resultados numa assembleia geral).
Também os profissionais liberais devem prestar contas aos clientes quanto aos honorários e à qualidade dos serviços prestados. A cadeia hierárquica define e distribui responsabilidades — e nenhuma posição justifica a opacidade.
Fonte: Leis de Finanças Públicas, Códigos das Sociedades Comerciais.
- A RAZÃO DE SER – LEGITIMIDADE E PREVENÇÃO DO ABUSO (Porquê prestar contas?)
A prestação de contas é uma exigência ética, legal e estratégica. Serve para:
- Garantir legitimidade: quem usa recursos alheios deve justificar as suas acções perante quem os confia;
- Prevenir a corrupção e a má gestão: a transparência desencoraja desvios (o caso Petrobras, no Brasil, revelou como a ausência de controlo facilitou esquemas bilionários);
- Promover a eficiência: o simples facto de ter de reportar incentiva uma gestão mais racional;
- Construir confiança: cidadãos e investidores só confiam em instituições que mostram o que fazem e porquê. A omissão gera instabilidade, suspeição e afastamento.
Fonte: Transparency International, Fórum Económico Mundial – Relatórios sobre Integridade.
- OS DESTINATÁRIOS – PERANTE QUEM RESPONDER? (A quem prestar contas?)
O dever de prestar contas deve ser orientado para quem tem legitimidade para exigir explicações. Os destinatários variam consoante a origem dos recursos e o tipo de entidade:
- No sector público: os principais destinatários são os cidadãos e contribuintes, representados pelos parlamentos, tribunais de contas, órgãos de controlo interno e até pela imprensa (exemplo: o Ministro das Finanças a prestar contas ao Parlamento sobre a execução do OGE).
- No sector privado: os accionistas e investidores têm primazia, mas também os reguladores (como a CMVM, em Portugal, ou a SEC, nos EUA), os credores e, crescentemente, a sociedade civil — sobretudo em temas ambientais, sociais e de governação (ESG).
Fonte: Directivas da União Europeia sobre Relatórios Financeiros e de Sustentabilidade, Normas Internacionais de Auditoria – ISA.
- O RITMO DA VERDADE – PERIODICIDADE E OPORTUNIDADE (Quando prestar contas?)
A prestação de contas deve ser regular, tempestiva e previsível. A verdade não pode chegar tarde — ou torna-se inútil.
- Anualmente: através de relatórios de contas auditados, obrigatórios no sector público e privado.
- Semestral ou trimestralmente: especialmente em empresas cotadas ou em projectos públicos complexos com elevada exigência de acompanhamento.
- De forma contínua ou sob demanda: com recurso a plataformas electrónicas (portais de transparência, bases de dados públicas), ou em resposta a pedidos específicos (como os previstos na Lei da Liberdade de Informação).
É ainda crucial que a prestação de contas seja imediata após eventos significativos (ex: escândalos como o Wirecard na Alemanha) e anteceda decisões de grande impacto (ex: apresentação do Orçamento Geral do Estado). Atrasos ou omissões comprometem a credibilidade e alimentam o descrédito.
Fonte: Prazos legais estabelecidos em diplomas como o Código dos Valores Mobiliários, Lei de Enquadramento Orçamental.
CONCLUSÃO:
Prestar contas não é um fardo — é um imperativo de cidadania, uma prova de maturidade institucional e uma ferramenta de progresso colectivo.
Exigir e praticar os cinco pilares da boa prestação de contas – clareza sobre os recursos, definição de responsáveis, justificação do dever, identificação dos destinatários e cumprimento de prazos – é o caminho mais seguro para superar o abismo da corrupção e edificar, no seu lugar, uma ponte sólida de confiança entre o poder e as pessoas.
A verdade, quando prestada, liberta. A omissão, escraviza.