Nem os mais de 300 quilómetros que separam Braga de Lisboa impediram Juliana Soares, uma funcionária da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), de estar presente na manifestação convocada pelo Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos (STI), que reuniu centenas de trabalhadores no Largo do Carmo, em Lisboa, esta quinta-feira.
“Nós somos carreiras especiais, não devemos ser tratados como lixo”, comentou a funcionária ao Expresso. Os problemas são transversais a todos os trabalhadores da AT: sentem-se ignorados pelo Governo, apresentam grandes níveis de stress e acreditam que a carreira está estagnada.
A grande maioria dos funcionários reunidos no Largo do Carmo vestia uma camisola preta com o slogan “AT mirrada, economia paralela aumentada”, que pretendia resumir o estado do sector.
“Vai custar, porque um dia de greve é um dia a menos no salário e custa porque nós trabalhamos e precisamos. O facto é que temos que partir, temos que mostrar mais força”, comentou Augusta Miranda, gestora tributária aduaneira, em funções na cidade de Oeiras. Trabalha há mais de 40 anos e dos 45 funcionários com quem partilhava profissão, 30 acabaram por sair. “Tivemos as carreiras paradas, atravessámos a pandemia, tentámos sempre cumprir a nossa missão. O facto é que as nossas carreiras não avançam”, acrescentou.
A opinião de Augusta não é singular. Também Gonçalo Rodrigues, presidente do STI, apontou a escassez de mão de obra e a falta de condições de como problemas estruturantes na profissão. “Não há recursos humanos, não há meios, não há computadores, não há carros de serviço. Há uma desorganização no combate à fraude e à evasão fiscal. Nós podíamos fazer muito mais do que aquilo que fazemos, se nos dessem os recursos, nomeadamente os recursos humanos necessários. Sem ovos não se fazem omeletes”, desabafou o dirigente sindical.
Um dos grandes desafios que tem levado a um decréscimo do número de trabalhadores tem que ver com a média etária do mesmo que, segundo Gonçalo Rodrigues, ronda os 55 anos. “Somos uma classe muito envelhecida”, concluiu Henrique Batista, funcionário no serviço de Finanças do Barreiro, que manifestou preocupação com o futuro número de trabalhadores que se vão reformar nos próximos anos. “As pessoas estão a sair, não há rejuvenescimento de quadros e a AT está a bater no fundo”, concluiu o presidente do STI.
Para além das melhores condições de trabalho gerais e a valorização da carreira, os funcionários pedem, também, a revisão da tabela salarial. No entender do sindicato e dos profissionais, os trabalhadores da AT estão a ser esquecidos pelo Governo que, nos últimos meses, tem apresentado propostas de aumento salarial ou valorização da carreira a várias áreas da Função Pública, como é o caso dos médicos, polícias, professores ou funcionários judiciais.
“Os médicos precisaram de ter um aumento de 15% em 2023. Já estão a pedir mais 15% em 2024. Nós vivemos no mesmo país que os médicos vivem. A inflação foi igual para nós. Portanto, naturalmente, as nossas carreiras também estão desvalorizadas. Era importante o Governo também ter isso em atenção”, referiu Gonçalo Rodrigues. “Eu concordo plenamente que a polícia, que os professores, todos lutem por ter um melhor vencimento, mas também não se esqueçam da Autoridade Tributária e Aduaneira”, acrescentou ao Expresso Dário Ribeiro, funcionário na Alfândega de Alverca.
Trabalhadores da AT atiram códigos tributários para o Parlamento, num ato simbólico
Depois da concentração no Largo do Carmo, os trabalhadores rumaram até à Assembleia da República para tentarem ser ouvidos pelos partidos políticos.
Partiram pelas 14 horas e cerca de uma hora depois já se encontravam junto ao Parlamento. Segundo descreve a Lusa, dezenas de códigos de direito tributário, lei geral tributária, manuais de IRC e IRS, regulamento da inspeção, código de procedimento administrativo, entre outros foram atirados para as escadas da Assembleia da República.
O objetivo é alertar para o excesso de trabalho que têm, o peso da profissão e a inatividade do Governo.
Os trabalhadores vão estar em greve até esta sexta-feira. “Prevê-se que por todo o país os serviços de finanças e aduaneiros sejam afetados”, informou o STI em comunicado.