
O ciclismo mudou e Miguel Salgueiro sente que já é “praticamente impossível” dar o salto para o estrangeiro, alertando para o facto de hoje em dia “os miúdos” serem privados da sua juventude e de uma formação “passo a passo”.
“Hoje em dia, cada vez mais, as equipas do World Tour e ProContinentais procuram talentos jovens, já vão buscar juniores, até cadetes já contratam. O ciclismo está numa fase diferente e, se não sairmos lá para fora em júnior, ou não tivermos a oportunidade de ir para uma equipa de formação no estrangeiro, mesmo já em sub-23 torna-se difícil sair”, analisou, em declarações à agência Lusa.
Aos 26 anos, o multifacetado ciclista – veio do BTT e compete na estrada e na pista – acredita que o ‘comboio’ já passou para si, depois de ter visto a sua progressão no pelotão condicionada pela pandemia.
“Apanhei a fase do covid nos meus dois últimos anos de sub-23. Tinha o objetivo de ir lá para fora e, na minha opinião, a maneira que tínhamos mais fácil, ou a única maneira possível que tínhamos de o alcançar, era fazendo bons resultados nas corridas pela seleção nacional. Em 2020, fiz nono no Campeonato da Europa, que na altura era algo espetacular e tive o azar de ser no ano da covid, o que me fechou algumas portas”, recordou.
Profissional desde 2020, o ciclista da AP Hotels&Resorts-Tavira-Farense considera que essa foi uma das razões que o impediu de emigrar.
“Os anos foram passando, agora já sou elite e acho que neste momento, com 26 anos, já é praticamente impossível de ir lá para fora. Ainda tenho uma réstia de esperança, mas é muito difícil”, concede.
Vencedor do Memorial Bruno Neves esta temporada, e de duas etapas no Grande Prémio Jornal de Notícias (em 2023 e 2024), o lisboeta quer ter uma boa prestação na 86.ª Volta a Portugal para, quem sabe, impressionar uma Caja Rural ou outra das três formações espanholas do segundo escalão do ciclismo mundial, este ano ausentes da prova ‘rainha’ do calendário nacional.
“Digamos que a nossa saída mais fácil será sempre para Espanha. Há quatro equipas ProContinentais. Para mim, pessoalmente, já seria um passo muito importante, adorava correr numa equipa dessas. Estou aqui um pouco mais ao trabalho da minha equipa, temos ambições para geral, mas espero ter a minha oportunidade”, antecipou.
Embora (ainda) não tenha concretizado o sonho de dar de emigrar, Salgueiro mostrou-se satisfeito por poder ter tido uma formação “mais passo a passo, como se fazia antigamente”.
“De júnior, saí para uma equipa de sub-23, onde estive dois anos. Depois, passei a profissional no terceiro ano de sub-23 na LA [Alumínios], uma equipa com atletas jovens, também com uma forte base de formação, o que me ajudou a fazer a minha evolução natural e dar-me todas as bases para poder chegar a elite e saber lidar com o profissionalismo, com a carreira, com os altos e baixos”, notou.
Para Salgueiro, devido à excessiva precocidade que faz com que juniores passem diretamente dessa categoria a elites, uma ‘moda’ acentuada após a ‘explosão’ de Remco Evenepoel, hoje “os miúdos são atirados aos lobos logo desde jovens”.
“Estamos a falar de miúdos de 17 anos, de 18 anos, que ainda não são homens, sequer. São adolescentes em fase de desenvolvimento como pessoa e têm já de lidar com coisas que, mesmo para homens adultos, é muito difícil. Acho que tiramos um pouco dessa formação e tiramos um pouco da juventude”, alertou.
São vários os jovens portugueses espalhados por equipas de formação europeias, com o corredor da AP Hotels&Resorts-Tavira-Farense a estimar que estes, como outros aspirantes estrangeiros a uma carreira no ciclismo, acabam “por não conseguir fazer coisas” normais para essas idades.
“Nem digo sair à noite, digo estar por casa, ir à praia. Hoje em dia, os miúdos passam para o primeiro ano de sub-23 e passam o ano em altitude. Acho que também não pode ser um salto tão grande”, vincou.