Na natureza nada se cria, nada se perde. Tudo se transforma, já dizia Lavoisier. No futebol a transformação, pelo menos quando se assume uma equipa plenamente encaixada, é um fenómeno mais complexo que João Pereira e a restante equipa técnica conhecerão nos próximos meses. Uma mudança radical seria impensável e a roçar os meandros do alheamento total, e o Sporting manteve-se fiel a (quase) tudo o que Ruben Amorim construir.
As características de um jogo diante de uma equipa dois escalões abaixo e depois de uma paragem que levou a maioria dos jogadores para outras paragens tornam todas as avaliações circunstanciais. Ainda assim, a goleada diante do Amarante (6-0) trouxe pequenas novidades, as tais “mãozinhas” que, aqui e ali, João Pereira e a restante equipa técnica tentarão colocar na equipa.
O papel do segundo médio era o que maior expectativa trazia. Com Ruben Amorim, Daniel Bragança e Hidemasa Morita eram médios com grande amplitude de jogo, capazes de baixar para a linha dos centrais, de lateralizar posição ou de se projetar, procurando receber em zonas mais avançadas. O Sporting B de João Pereira funcionava num 3-4-3 ligeiramente diferente, com um losango no meio campo (e interiores com desdobramentos no corredor) que oferecia muito do protagonismo ao número 10. Foi precisamente nesta função que apareceu Daniel Bragança, jogando mais próximo da baliza adversária como um elemento a mais na concentração elevada de homens a preencher a zona central. A proximidade à baliza deu três frutos que dão pelo nome de assistências e inúmeros lances que traduzem a evolução do médio português no que ao trabalho sem bola diz respeito. Atacou constantemente a última linha adversária, soube funcionar como referencia mais avançada e deu possibilidades de combinação por dentro ao Sporting.
Mais dúbia, mas evidente nos primeiros minutos do jogo, o Sporting voltou a defender e a atacar com uma primeira linha de quatro. O tempo e o cerco à baliza do Amarante reduziram quase a 100% as situações de saída de bola dos leões e de organização defensiva que apresentaram uma pequena nuance. O perfil dos alas mudou em Alvalade e, nesta temporada, são extremos quem jogam abertos em campo, partindo de posições mais recuadas. Neste jogo foram laterais – Ricardo Esgaio e Iván Fresneda – quem começaram no onze em ambos os corredores, obrigando a ajustes. Defensivamente, o lateral oposto ao lado da bola baixava para a linha dos centrais, a tal linha de quatro. Ofensivamente, e dependendo do lado da saída, um ficava mais baixo e o outro projetava-se. A entrada de Geovany Quenda na segunda parte aproximou o Sporting do desenho original, mas a pequena mudança, recuperando o 4-4-2 defensivo que Ruben Amorim usou principalmente na última temporada, marcou a estreia de João Pereira como treinador do Sporting.
Não sendo de natureza tática, em dia de estreia do novo treinador, João Pereira aproveitou para estrear dois novos jogadores na equipa principal do Sporting. O plantel dos leões é curto e o conhecimento aprofundado das opções na equipa B pode ser importante. O quarto médio que falta ao Sporting com a ausência de Pedro Gonçalves pode ser Henrique Arreiol. A João Simões pede-se um contexto tático diferente. Entrou para o corredor esquerdo, mas é em terrenos mais interiores que mais se evidencia no passe longo e na aproximação à área. Já na equipa B João Pereira não tinha medo de apostar nos mais jovens e a tendência é para que continue sem receio de chamar os miúdos para jogar perto dos graúdos.
A nível individual, a principal mudança dá pelo nome de Marcus Edwards. Não é assim tão fácil relembrar de cabeça as vezes em que o inglês jogou a partir da esquerda. Sentiu-se confortável neste registo, acionando o pé direito (que não é preferencial) e conduzindo a bola por longas distâncias. Será sempre um jogador inconstante, mas recuperar o melhor nível do número 10 do Sporting é fundamental, até pela lesão de Pedro Gonçalves. Sem tanta surpresa, destacaram-se alguns dos nomes habituais do Sporting. Para lá de Daniel Bragança, Matheus Reis – cada vez mais forte no passe -, Francisco Trincão – a partir da direita e numa precisão técnica de luxo – e Conrad Harder – do centro para a esquerda, atacando as costas da defesa – exibiram-se em bom nível.
A linha defensiva do Sporting no final dos noventa minutos (com Fresneda, Matjeus Reis e Ricardo Esgaio como centrais) explica que a magnitude das mudaças tem o valor que tem e que poucas conclusões definitivas podem ser tiradas. A postura diante do Arsenal, favorito natural, e a forma como o Sporting se impuser diante do Santa Clara, um adversário com outros argumentos, darão mais indicadores para avaliar um Sporting que se quer novo e renovado apenas q.b. Por agora, fica o retrato de uma estreia sem sobressaltos e que permitiu a João Pereira – e restante equipa técnica – apresentarem-se diante de Alvalade.
BnR na Conferência de Imprensa
Bola na Rede: O Daniel Bragança jogou em zonas muito adiantadas do campo funcionando muitas vezes como mais um elemento a atacar a última linha do Amarante, lembrando inclusive um pouco o vértice mais avançado no losango do meio campo que vimos na equipa B. Queria perguntar-lhe como é que vê a função deste segundo médio do Sporting e qual o papel tático que lhe foi atribuído hoje?
Tiago Teixeira: Foi realmente uma dinâmica preparada para este jogo. Sabemos que muitas vezes vamos tentar montar com 3+2 e outras vezes com 3+1. A situação do segundo médio fazer de 10 é muito importante para nós, mas depende sempre das dinâmicas que queremos criar jogo após jogo. O Daniel Bragança teve esse papel hoje e cumpriu plenamente.
Bola na Rede: Pensando na complexidade e dificuldade dos desafios proporcionados pelo Sporting, tanto do ponto de vista defensivo como ofensivo, onde é que este jogo pode permitir ao Amarante crescer taticamente?
Álvaro Madureira: Hoje o jogo não é o ideal para balizarmos essa situação. Por muito bem organizados que estivéssemos, mais altos ou mais baixos, provavelmente o Sporting iria encontrar soluções para entrar na nossa organização defensiva. Contudo, somos uma equipa que tem de ter uma organização principalmente em bloco baixo melhor e acho que hoje, a espaços, estivemos bem. A alteração ao intervalo deu-nos maior conforto porque passámos a defender em 5-4-1 e antes estávamos em 5-3-2. Acho que nos deu algum conforto adicional. Com bola temos de ser uma equipa que queira ter a bola e ser protagonista porque só assim podemos valorizar os jogadores. Não podemos olhar para isto de uma forma redutora em que só os resultados interessam. Temos de olhar para o futebol, com a evolução que tem tido, como um negócio em que os jogadores são ativos. Têm que se valorizar e acho que as pessoas se valorizam quando são protagonistas e têm bola para se mostrar.