Era uma vez (assim começam todos os contos de fadas, não é?) uma equipa que, em conjunto, puxou os seus maiores sonhos do plano onírico para o pavimento dos mortais. 1098 dias passaram desde que Portugal começou o caminho para o EuroBasket, uma viagem sem destino já que nos últimos 14 anos muitos a iniciaram afundando-se antes de alcançarem o lugar onde os esperavam. A ardilosa pré-qualificação implicou a realização de seis jogos (quatro contra equipas que também estão no torneio). Na fase principal de qualificação, outros tantos. É um trajeto duro o suficiente para se poder dizer que a presença no EuroBasket de um país desencontrado com estas competições é um feito em si mesmo.

No regresso, Portugal precisou da inequívoca ajuda do seu jogador mais dominante. Por mais que se tente diversificar a análise, mencionar outros nomes que não o dele, a seleção nacional é Neemiocêntrica. Ao contrário de outros termos que terminam com o mesmo sufixo, este refere-se a uma qualidade carregada por um gigante. Para Queta, 2,13m parece ser um tamanho reduzido face à paixão que tem dentro de si.

Constantemente importunado, quando o árbitro apitava lá tinha ele que endireitar as alças da camisola que os adversários lhe iam tirando do sítio. Os contactos com que o tentavam sobrecarregar pareciam apenas carícias. Numa ostentação da sua brutalidade, aspirou 18 ressaltos (e marcou 23 pontos), algo que só Pero Antic, Andris Biedrins, Toko Shengelia, Dirk Nowitzki e Arvydas Sabonis conseguiram fazer neste torneio.

Num grupo A assoberbado de qualidade, restavam poucas hipóteses tão boas para acabar o jogo com mais pontos do que o adversário. Sorver Jan Vesely e Tomas Satoransky à Chéquia colocou o desafio a um nível alcançável para Portugal, fazendo deste adversário um daqueles que a seleção nacional devia ter em particular atenção para garantir as vitórias de que precisa para seguir em frente.

De Neemias Queta espera-se sempre muito. Talvez não aquilo que fez logo a abrir o jogo. Leva já quatro épocas na NBA e nunca conseguiu marcar um triplo. Ora, no EuroBasket, na primeira vez que foi envolvido no ataque, marcou um lançamento exterior. Assim fica difícil acalmar as expectativas.

É parte da essência da seleção nacional ter duas pantagruélicas figuras debaixo da auréola laranja. Miguel Queiroz, exímio passador e conhecedor de todas as rotas que levam à marcação de pontos, foi o emparelhamento que Mário Gomes escolheu para Neemias Queta.

Um jogo de basquetebol já é fragmentado em quatro períodos, mas o primeiro deles também se subdividiu. Neemias Queta deixou a equipa a vencer por sete pontos e voltou ao campo quando os Linces tinham uma vantagem menos confortável.

Ainda bem que os torneios de seleções existem. É uma maneira agradável de ver jogadores transfigurados. Vit Krejci, que na NBA praticamente limita os seus contributos ao lançamento exterior, no EuroBasket, expandiu a intervenção com manuseamentos de bola que revigoraram a Chéquia.

Portugal, sabe-se, não é uma equipa que consiga vitórias quando a pontuação começa a escalar dos 90 para cima. Foi então que, como em tantas outras ocasiões, a seleção se agarrou à defesa para manter o jogo equilibrado.

Anadolu

É quando Travante Williams se coloca na mesma montra que os melhores defensores do mundo que a irascível atitude é coroada como merece. Quando se tem ao lado Neemias Queta, o amplo homem que coloca uma mão na Antártida ao mesmo tempo que a outra está no Ártico, é o nasce um tapume no cesto. De resto, sempre que os portugueses eram batidos em penetrações, as ajudas perto do aro intervieram com eficácia.

A produtividade de Neemias Queta, que ao intervalo (32-29) já era mais do que notória, fez os jogadores de Diego Ocampo congestionarem a área pintada. A melgarem o poste chegaram a estar três adversários em simultâneo.

A este nível, no qual muitos dos portugueses não estão habituados a competir, não se vence sem os contributos marginais das figuras secundárias. Rafael Lisboa afinou o lançamento em suspensão e Portugal conseguiu a primeira vantagem de dois dígitos no encontro graças aos três triplos concretizados no terceiro quarto.

É um chavão, mas o basquetebol é mesmo um jogo de parciais, ou seja, a seguir a uma investida portuguesa veio outra checa. Em momentos de sufoco, Neemias Queta metamorfoseou-se. A bomba de oxigénio portuguesa, como não podia deixar de ser, segurou a liderança no marcador.

Era do interesse da seleção nacional manter a pontuação rasa, mas talvez não tanto como veio a acontecer (62-50). Enquanto o ataque pode não ter sido sempre brilhante, a defesa conseguiu um registo que poucas equipas vão conseguir igualar.