Versalhes. 15 milhões de visitantes por ano, um dos monumentos mais procurados do mundo. O palácio para onde, em 1682, Luís XIV moveu a sua corte e o seu governo, transformando-o no centro do reino. O símbolo do poder, o símbolo de uma era, um símbolo da França pré-1789, a França do Absolutismo.

Versalhes, o palácio opulento, o palácio com os seus jardins de beleza única. Versalhes, símbolo hípico: os grandes estábulos, obra ordenada por Luís XIV, são oficialmente descritos como “a maior construção real feita para acolher cavalos jamais realizada”. No século XVIII, chegaram a acolher 2.000 cavalos ao mesmo tempo.

Versalhes, palco olímpico. Nos Jogos em que França exibe os seus monumentos, não há só voleibol de praia na Torre Eiffel, esgrima no Grand Palais ou skate na Praça da Concórdia. Nestes jardins, nestes 800 hectares que nos remetem para outra época, nesta imensidão que evoca uma França imperial, grandiosa e despótica, disputar-se-ão as competições de equestre.

Na manhã da véspera do arranque das provas, o ambiente é relativamente calmo. É curioso como, apanhando um comboio para os subúrbios de Paris, desaparece um certo clima tenso que se vive no centro da capital, as mil e uma barreiras de segurança, os check points. Há controlos, há polícia, mas é difícil não se sentir tranquilo a respirar este ar, a ver esta beleza, a olhar ao fundo e ver o palácio.

Antes do começo das competições, é tempo para algumas das especificidades desta modalidade. A manhã foi de controlos e inspeção aos cavalos por parte de veterinários, havendo também quem aproveite para treinar.

No grande estádio colocado de frente para o palácio, vão-se ultimando pormenores. Testa-se a banda sonora que se ouvirá e, sem surpresa, o “Pump It”, dos Black Eyed Peas, música omnipresente em eventos desportivos, está presente.

De Évora a Paris

Um dos cavaleiros que ultima os derradeiros pormenores antes de entrar em ação é Manuel Grave. Aos 34 anos, está em estreia em Jogos Olímpicos.

Participando no concurso completo, o alentejano é um dos responsáveis por, pela primeira vez desde 1960, Portugal estar representado nas três disciplinas da competição equestre: Grave no completo, Duarte Seabra nos obstáculos, Mariana Caetano, João Pedro Moreira e Rita Ralão Duarte na dressage.

Este sábado, Manuel Grave começará a jornada de dressage. No segundo dia, será a vez do cross, terminando, na segunda-feira, com os obstáculos. Mas a viagem, para Manuel e para o seu Carat de Bremoy, arrancou na passada terça-feira.

Na companha dos seus dois irmãos, Manuel saiu, terça-feira muito cedo, de Évora. Com o trio de manos ia o cavalo, o Carat de Bremoy, numa viagem rumo a Paris. Dormiram nesse dia no sul de França, arrancaram quarta-feira ao amanhecer e, ao princípio da tarde, estavam em Paris.

E quais os cuidados a ter quando se viaja com um animal destes, parte fundamental do êxito desportivo que se quer ter? “É ir percebendo se está tudo bem com o cavalo, se tem sede, se precisamos de parar para o tirar por alguma coisa. Este cavalo viaja muito bem, há cavalos que ficam nervosos, este não é o caso. A partir de umas certas horas de viagem é preciso ter mais atenção, oferecer água, oferecer feno, ver se está tudo bem com ele”, explica Manuel.

O local de treinos nos jardins de Versalhes
O local de treinos nos jardins de Versalhes Mike Hewitt/Getty

O cavaleiro fala com a Tribuna Expresso ao lado de uma arena coberta onde outros atletas vão treinando. Para o eborense, esta presença olímpica tem uma “emoção especial”, já que se realiza 20 anos depois da presença do pai, Carlos, em Atenas 2004. “É incrível estar aqui, já andava atrás disto há algum tempo”, comenta, com visível satisfação, Manuel.

Na antecâmara da competição, Carat de Bremoy já treinou no estádio, procurando “ambientar-se” ao local, mas Manuel sabe que “quando tiver cheio de gente terá outro impacto”. O próprio cavaleiro já visualizou o momento de começar a prova e admite ficar “um bocado nervoso”.

Para o concurso completo, Grave espera “fazer um trabalho digno”, diz, realista. “Estou confiante numa prova boa”, comenta quem diz que criou uma “ligação gira” com o Carat de Bremoy, cavalo que, curiosamente, comprou a Duarte Seabra, outro cavaleiro português nestes Jogos.

“O cavalo nunca vira saltos de campo [os que se fazem no cross], só sabia saltar saltos normais, mas cedo percebemos que ele tinha uma cabeça forte, uma fibra muito forte, uma valentia fora do comum. Isso tem-se vindo a provar na evolução dele. Tem feito muita competição de nível alto com bastante sucesso”, destaca quem, ao mesmo tempo que centra a atenção em Versalhes, não pára de “espantar-se” com a vida na aldeia olímpica, à espera de um encontro com “um Nadal ou uma Simone Biles", que ainda não sucedeu.

A equipa portuguesa de equestre.

Os tempos de glória

Até aos Jogos da 15.ª Olimpíada, em Helsínquia, Portugal ganhou um total de cinco medalhas. Três delas foram no equestre.

Em Paris 1924, a primeira medalha da história nacional foi obtida nos obstáculos por equipas, com o bronze de Aníbal Borges de Almeida, Hélder Sousa Martins e José Mouzinho de Albuquerque. Seguiu-se, em Berlim 1936, com o bronze nos obstáculos por equipas de Domingos de Sousa Coutinho, José Beltrão e Luís Mena e Silva. Finalmente, em Londres 1948, Luís Mena e Silva, Francisco Valadas Jr. e Fernando Paes obtiveram o bronze no ensino por equipas.

Para Manuel Grave, o regresso da participação total de Portugal é “um sinal de trabalho bem feito”, a “confirmação de que estamos a fazer as coisa bem”. Mas lembra algo fundamental: “Somos amadores, temos um outro trabalho, ao fim do dia é que arranjamos tempo para montar, vamos tirando uns dias para ir a competições. Por isso, estar aqui é uma grande satisfação”.

Versalhes acolhe os cavalos como velhos amigos, habituado à sua presença. Manuel Grave, em estreia olímpica 20 anos depois do pai, quer “aproveitar uma localização destas”, com “uma beleza que não se descreve em palavras”. É o equestre de Portugal a seguir as pegadas da glória de outros tempos.