Há dias em que ser feliz não depende de nós. E há dias em que a nossa felicidade também não depende dos outros. São dias esses em que os acontecimentos combinam e por si decidem certos rumos. Uns são melhores do que outros.

Aryna Sabalenka tem andado a ressaltar entre os extremos. A tristeza profunda assombrou-a no início de 2024, quando perdeu o ex-namorado e antigo jogador de hóquei no gelo, Konstantin Koltsov, por “aparente suicídio”, de acordo com as autoridades. O luto foi feito a treinar. Não se tratava de desconsideração. Era uma forma tão válida como todas as outras para reconstruir o mundo onde uma pessoa próxima deixou se existir.

Por certo sabe que aquelas pancadas eram mais raivosas do que precisas. Os resultados seguintes, com eliminações em Miami e Estugarda, mostraram que a vencedora do Open da Austrália tinha contas a ajustar consigo própria. Fê-lo até ao US Open.

“As bebidas são por minha conta!” Era um suborno ingénuo aquele que a bielorrussa estava a propor ao público norte-americano. Não eram umas cervejas de borla que iam demover quem quer que fosse de apoiar Emma Navarro na meia-final. Mas era um sintoma de alegria, uma mostra de boa-disposição, um colorido de palavras de quem, até uma próxima tragédia, parece ter perdoado a vida.

Na final, contra Jessica Pegula, nem sempre Aryna Sabalenka viveu um desses momentos em que o estado de espírito se alinha com a bravura do seu jogo. Só que o convívio com a adversidade ensinaram-na a domá-la. A número dois do mundo venceu a estreante numa fase tão adiantada de um Grand Slam (7-5 e 7-5) e conquistou o seu primeiro US Open da carreira.

A velocidade que a bola ganha no azulado piso do Arthur Ashe Stadium fá-la parecer um seixo achatado a saltitar na superfície da água. É um fator favorável a quem tem a força do seu lado. Com braços capazes de retocar a posição do planeta Terra, Sabalenka manuseou os pontos com golpes que deixavam a sequência presa por um fio até que finalmente partia a seu favor.

A Jessica Pegula absorveram-lhe a exuberância à nascença. Impávida, resolveu dar passos em frente na resposta ao serviço da adversária, mergulhando com os pés bem dentro da linha de fundo. Era uma postura ousada para alguém a disputar a primeira final de um torneio Grand Slam. A nova-iorquina nunca tinha sequer ido além dos quartos até ao dia em que se viu a discutir o US Open e a conseguir que a brutalidade de Sabalenka quase roesse o arcaboiço emocional da proprietária.

Jamie Squire

Na ponta final do primeiro set, Aryna Sabalenka começou a errar. Os pipipi’s que ferem a sensibilidade auditiva quando o serviço toca na rede tornaram-se repetitivos. Ela tentou cancelar a irritação, voltar a si quando começava a ser tomada pelo caos. Não conseguiu evitar bater com a raquete no chão um par de vezes. Mas era um mal necessário. Precisava de sacudir de vez as dúvidas. Pegula conseguiu chegar ao 5-5 quando esteve a perder por 5-3 e com a adversária a servir.

Sabalenka vacilou em cima do conforto que tinha criado, logo a quebra não a prejudicou. Assim que voltou a si, variou o jogo e as pancadas que estavam a ser propositadamente colocadas em profundidade foram transformadas em bolas curtas e requintadas que trouxeram Pegula para a rede. A norte-americana não se adaptou e acabou por ceder (7-5).

Dona de dois títulos do Open da Austrália (2023 e 2024) e uma final do US Open perdida (em 2023, contra Coco Gauff), pensava-se que a jogadora nascida em Minsk teria furado a barreira psicológica que a separava do título inédito. A rookie foi em busca de impedir que a favorita voltasse a estar estacionada no fundo do court e causou-lhe enormes constrangimentos. Pegula chegou a estar a perder por 3-0 no segundo set e virou para 5-3 ao soltar bichos carpinteiros no encontro que fizeram subir o cirandar de ambas.

Al Bello

Calhou que este fosse um encontro de parciais, de momentos prolongados de ascensão e de sub-rendimento alternados. O pim pam pum ditou que Aryna Sabalenka estivesse em fase de embalo na hora decisiva. Com dois match points à disposição, acabou por desperdiçar o primeiro e temeu-se que entrasse no loop que quase a consumiu no set inaugural. Na oportunidade seguinte, foi paciente e, esperando pela bola que voava lenta no ar, percebeu que o US Open não lhe escapava mesmo antes da pancada final (7-5).

Sabalenka viveu num jogo tudo o que foi o seu ano: uma mistura de momentos de euforia com situações delicadas. Mesmo que todos tenhamos medo de sermos os únicos sobreviventes de um apocalipse, ela terá sempre o seu talento a acompanhá-la. Esse nada nem ninguém lhe pode tirar.