Haverá algo por aqueles lados, o Norte une-se nestes momentos, pelo menos parece, foram mais de 31 mil que acorreram ao Dragão quando o FC Porto finalmente corrigiu a falha histórica de não ter equipa feminina e há um ano 20 mil estiveram no Bessa quando ali a seleção nacional preparou o Mundial dos antípodas com a Ucrânia. Esta sexta-feira, foi no Dragão novamente, novamente a norte do Douro, que o futebol feminino agarrou-se a mais um número histórico, quando mais de 40 mil pessoas (40.189 mais precisamente) foram entrando aos poucos nas bancadas do estádio, que ao intervalo já não apresentava cadeiras vagantes, só vagas de alegria e holas.
Ninguém liga nenhuma ao futebol feminino, dizem. Dizem também na casa da democracia que elas nem merecem ganhar o mesmo que os homens quando vestem a camisola da seleção nacional e talvez esta tenha sido a resposta mais espetacularmente de luva branca que uns quantos merecem. Um recorde impressionante de gente apresentou-se no Dragão disposta a dizer que, sim, o futebol feminino português interessa.
Para a festa ficar completa, só uma vitória de Portugal, que não aconteceu apesar da equipa de Francisco Neto ter feito por isso. O empate (1-1) deixou essas mais de 40 mil pessoas num limbo, entre saber se vamos ou não novamente a um Europeu, marco importante para uma equipa que se quer habituar a estar nas grandes competições. Será em Teplice que tudo se vai decidir, na terça-feira, mas quem sofreu no Porto merecia sair do Dragão com o coração mais descansado. O futebol, jogado por quem for, nunca foi assim, nunca será, para mais entre duas equipas separadas por meros seis lugares no ranking mundial. As lágrimas de Dolores Silva depois do hino, cantado num estádio nunca tão cheio para ver 22 mulheres a jogar futebol em Portugal, contam-nos bem a história deste momento, tão efusivo como solene.
Porque no final a qualificação para o Europeu de 2025 será o derradeiro objetivo. Terá faltado à seleção nacional não se perder tanto na luta física dos cruzamentos bombeados para a área na 1.ª parte e a frescura física para na 2.ª virar definitivamente um jogo em que aos 6 minutos Portugal já estava a enviar uma bola à barra, por Andreia Jacinto.
Depois de uns quantos minutos difíceis, Portugal agarrava-se ao desiderato de dar àquela gente uma alegria, deixou de dar grandes veleidades às checas e 20 minutos seguintes são de quase permanente ataque à área adversária. Capeta ia servindo de apoio à construção de Kika, que ia distribuindo as bolas redondinhas que já vão encantando Barcelona. Marchão esteve perto num remate lateral aos 10’, encontrada por Kika, e aos 22’ Capeta tentou de letra, porque os olhos também comem. Dois minutos depois, Kika quase acertou um remate acrobático que teria dado ao Dragão não só um recorde mas também a honra de ter sido palco de um pedaço de magia, mas tudo isto se desvaneceu quando Svitkova, pouco depois da meia-hora, marcou para a Chéquia.
Sofrer golos na sequência de lançamentos laterais deverá doer muito, ter deixado Svitkova tão desacompanhada para cabecear à vontade mais ainda e talvez por isso os últimos minutos até ao intervalo tenham sido tão inconsequentes, nervosos. As bolas atiradas para a área iam encontrando as mãos fáceis da guardiã Votikova - não era por aqui que Portugal ia virar este jogo.
Poderia ser de outra forma, mostrada logo no início da 2.ª parte por Diana Gomes, Andreia Jacinto e Kika, numa jogada com a bolinha colada à relva, sempre em progressão, sempre a destruir as linhas checas. A desmarcação de Jacinto para Kika foi excelente, o remate carregado de mel da avançada mais ainda. O empate estava feito, era necessário ir atrás da vitória.
Mas na altura em que era preciso carregar, pareceu faltar as forças às jogadoras portuguesas. O ritmo quebrou demasiado, ao mesmo tempo que o silêncio penetrava numas bancadas do Dragão que se punham nervosas. A Chéquia estava desaparecida, mas apenas à coca de uma oportunidade, de uma desatenção, que aconteceu aos 71’, quando Statskova apareceu isolada em frente a Inês Pereira, que defendeu com coragem. O Dragão acordou e festejou como se de um golo se tratasse.
As entradas de Diana Silva e Andreia Norton abanaram ligeiramente o jogo, nunca o suficiente para Portugal criar verdadeiro perigo, apesar de continuar dono da bola. Já para lá dos 90’, Stephanie Ribeiro chegou tarde a um cruzamento da direita, como se uma metáfora se tratasse, como se Portugal tivesse, esta noite, no Dragão, chegado sempre um bocadinho fora de tempo, mesmo que tenha, inequivocamente, mais qualidade individual e até coletiva que a equipa checa.
Na terça-feira, será preciso apelar não só a essa qualidade, mas também ao instinto épico que, por exemplo, nos colocou no Europeu de 2017, num playoff apertadíssimo com a Roménia. Os 40 mil que foram esta noite ao Dragão merecem, mesmo que desta vez ao longe. É a pronúncia do Norte, que seja um prenúncio de sorte.