
Talvez embalado pelo épico triunfo da equipa orientada por Mourinho há 15 anos, o Inter apresentou-se em Barcelona a todo o gás. Aos 21', os italianos já venciam o Barça por 2-0, graças a golos de Marcus Thuram e Dumfries. Os culés, fora da final da Liga dos Campeões desde 2015, tremiam, possivelmente fruto do cansaço da eterna final da Taça do Rei do sábado anterior.
Até que um menor de idade "mostrou o caminho". A expressão é de Hansi Flick, técnico dos catalães.
Lamine Yamal pegou na bola na zona que já é a zona Lamine Yamal, descaído para a direita. Tinha vários adversários à volta, chegou a estar de costas para a baliza, a ocasião jamais seria uma ocasião de golo se não fosse Lamine Yamal com a bola, porque o jovem escreve as regras, desafia o espaço, finta o tempo, o tempo que dita que quem não pode votar ou conduzir não deveria, pela lógica, ter este impacto num jogo de altíssimo nível entre adultos.
Ele não quer saber. A noite ia para o lado dos italianos, Yamal devolveu-a para o caminho espanhol. Fintas, simulações, enganos, remate ao poste mais distante, como contra o Benfica. "O 2-1 foi muito importante. Lamine é especial, é um génio", considerou Flick.
Foi mais uma grande noite do rapaz de Rocafonda, o bairro da sua infância cujo código postal (304) mostra como celebração de cada golo. O desafio, frenético e emocionante, ficou-se por um 3-3 que deixa tudo em aberto para o confronto de Milão, na segunda mão das meias-finais da Liga dos Campeões, mas todo o destaque foi para Yamal.
Há nele um permanente trocar as voltas ao que deveria ser a norma. Como Dimarco, lateral ao nível dos melhores do mundo, foi incapaz de o parar, também o tempo não o detém, os poucos anos de vida não são um travão, mas um impulso, como uma mola que o catapulta para driblar o estabelecido. O tempo é, quanto muito, um aliado, uma arma mais que ele usa enquanto se escapa entre as marcações.
Com Dimarco incapaz de travar Lamine, Simone Inzaghi, treinador do Inter, tentou fazer algo. "Tivemos de meter dois ou três jogadores em cima dele", confessa o ex-avançado, que se desfez em elogios: "É um talento que nasce a cada 50 anos. Nunca o vira ao vivo. Nós começámos bem, mas ele criou-nos imensos problemas. É um fenómeno".
Depois do golo, o show prosseguiu. Ainda na primeira parte, Yamal sentou Dimarco, foi avançando pela direita, junto à linha final, e disparou para defesa de Sommer, que desviou para a barra. No segundo tempo, o menor de idade, que leva 15 golos e 21 assistências em 2024/25, voltou a acertar no ferro.
O elogio dos adversários é uma das melhores formas de comprovar o impacto da exibição em Montjuïc, o estádio olímpico que é casa emprestada do Barcelona e onde Messi se estreou na equipa principal culé. Bastoni, outro dos defesas do Inter que sofreu perante o espanhol, classificou-o como "o melhor jogador do mundo". Marcus Thuram ilibou Dimarco: "Disse-lhe que era normal que o Yamal o fintasse. Não é possível travar um jogador destes só com um defesa, tem de ser coletivamente", indicou o atacante.
Já campeão da Europa, campeão espanhol, vencedor da Taça do Rei e da Supertaça, o catalão sprinta, mas sprinta sem correr com sofreguidão. É uma corrida natural, mágica, como se fosse o cumprir de um destino, confiante numa certeza, não uma correria atrás do improvável ou urgente.
Perito na precocidade, todos falam dele desde que Xavi decidiu apostar no talento, ainda com 16 anos. Ao marcar diante do Inter, tornou-se no mais jovem a apontar um golo numa fase tão adiantada da Liga dos Campeões.
A noite de Yamal ecoou além de Barcelona. Rio Ferdinand escreveu, nas redes sociais, que o jovem está "num nível diferente face a qualquer outro futebolista das cinco principais ligas europeias"; Erling Haaland também recorreu às redes para classificar Lamine como "um miúdo incrível".
Thierry Henry, habitual comentador da Liga dos Campeões na CBS, disse que o que o adolescente faz "é uma loucura". "É, simplesmente, anormal", rematou o francês.
Lamine só faz 18 anos a 13 de julho, mas diante do Inter já chegou aos 100 jogos pelo Barcelona. Quando atingir a maioridade, o canhoto pode ser vigente campeão da Europa de seleções e de clubes, campeão espanhol, detentor da Taça do Rei e da Supertaça.
Quando o encontro diante do Inter terminou, quando o mundo ainda estava boquiaberto, Hansi Flick foi consolar um dos seus jogadores. Era Lamine Yamal, que não escondia alguma frustração pelo empate, particularmente devido às duas bolas que enviou aos ferros e que não deram em golo. Ele desafia mesmo a lógica.