Por estes dias, apelidar o Sporting de equipa verde e branca significa não resistir à tentação de cair num erro factual. Trajados de enfermeiros, os jogadores de Rui Borges foram à Choupana atuar de maneira custosa e a precisar de uma injeção de criatividade. O resultado só ficou assegurado quando o Nacional, lesado por uma expulsão, entrou num estado decrépito.

O Sporting até estava entulhado de golos marcados, capacidade ofensiva que fazia acompanhar de uma baliza inviolável nas duas primeiras jornadas. O clima insular, de um modo ou de outro, afetou os leões. O equipamento, tingido de um verde diluído em água que tende a poder parecer azul, denotava uma doença identitária. A maneira como Rui Silva foi batido logo aos três minutos também recomendava à equipa de Alvalade uma visita ao médico.

Liziero bateu o canto numa curva desenhada no sentido contrário ao da baliza, em busca de algum alvi-negro. Léo Santos exibiu a funcionalidade das molas e tirou os pés do chão para cabecear.

HOMEM DE GOUVEIA

Eram sintomas preocupantes os que o Sporting mostrava: tosse seca nos passes, dor de cabeça no raciocínio, falta de reação dos músculos aquando da mudança de velocidade nos dribles. Com base nestas indicações, foi feito o diagnóstico. Tudo não passava de um problema resolvido com um xarope de tempo, uma dose da perceção de que o mal estava feito e não era possível marcar dois golos em segundos para conseguir a reviravolta. Recomendado tomar uma vez a cada jornada (no pior dos casos no decorrer do esforço de um jogo).

A preocupante condição física de Pedro Gonçalves foi menos figurada do que aquela que até aqui temos descrito como parte do historial clínico da equipa de Rui Borges. É que o pé do jogador de Vidago ficou moído num duelo. Por coincidência, tinha sido dele o remate à barra que galvanizou o Sporting. Pote foi à fonte e quase deixou lá a asa. Mal se sabia que tinha o que dar de beber a todos.

Os leões tentavam contornar o 5X4X1 em que Tiago Margarido dispôs os jogadores do Nacional. Ricardo Mangas era o mais solicitado para avançar e servir. Suaves incentivos deu à bola em cruzamentos para Trincão e Hjulmand. Aliás, não fosse a contenção de Fresneda e Paulinho Bóia podia ter escapado, tal como ameaçou na sequência de momentos de transição. Com a construção entregue sobretudo aos dois centrais, Gonçalo Inácio e Debast, o espaço entre linhas estava congestionado.

Frustrado, Pedro Gonçalves viu amarelo após uma zaragata e, perdido em queixumes, até deu uma sacudidela a Hjulmand para que o dinamarquês o deixasse continuar a ditar a um copista a mensagem que este devia registar no livro de reclamações. Os problemas que se julgavam serem físicos, afinal, poderiam estar também a afetar o psicológico. Só que a aparente desgovernação é o seu estado natural. Gostar de Pote como jogador é apreciar as suas inerentes arrelias.

O espalhafato desviou as atenções de Morita, substituído, aparentemente sem nenhuma intenção tática, por Giorgi Kochorashvili, nome portador de um ótimo conjunto de letras para utilizar no jogo da forca.

Ali na fase em que a fome começa a pensar no método mais eficaz para evitar a fila do bar ao intervalo, a triagem deixou o Nacional de pulseira vermelha. Pablo Ruan viu o segundo amarelo e, nesta luta de debilitados, de repente, os madeirenses ficaram pior tratados. Ainda assim, o pé esquerdo de Liziero voltou a fazer maravilhas nas bolas paradas. Matheus Dias teve compaixão.

Ricardo Mangas pode teletransportar-se, assim o indica a habitual celebração, mas o seu estilo conspícuo não é capaz de estar em todo o lado ao mesmo tempo. Nem sempre os meios para combater emergências chegam atempadamente. Fresneda lá auxiliou com uma subida pela direita e Pedro Gonçalves, aquele que nunca está desnorteado mesmo que pareça, fez o empate. O Sporting estava mais perto de ter alta.

Rui Borges quis acicatar ainda mais aquele que estava a ser o seu ponto fraco e atribuiu essa função a Georgios Vagiannidis. O que o grego trouxe de bom na jogada de pinball em que Luis Suárez marcou irregularmente, também sorveu quando a sua posição anulou os festejos.

HOMEM DE GOUVEIA

A teia do Nacional serviu para colocar estuque na defesa. A manta, já esticada até ao limite, não tapou a receção de Pedro Gonçalves que conduziu para dentro e rematou para a reviravolta definitiva. Além das evidentes capacidades que tem em si mesmo, a relação com Geovany Quenda exalta-lhe movimentos mais inesperados como aquele que fez para criar superioridade no corredor e servir Conrad Harder. O dinamarquês, nome apontado à saída do clube, bateu no peito e espetou o símbolo no coração.

Pedro Gonçalves não parou de chamar a atenção. É sempre assim, quer marque, quer não marque. Com um hat-trick, completado já em tempo de compensação, e uma assistência, foi uma noite taumatúrgica para o indivíduo que usurpou a bola no final. O Sporting terminou o jogo melhor do que o começou e teve um desfecho que o ilibou de um início sofrido. Seguem invictos os enfermeiros.