Cuiabá, Atlético Mineiro, Vitória. Três empates para o Botafogo, três murros na vantagem pontual que o clube da Estrela Solitária nutria na tabela do Brasileirão, um déjà vu à espera de acontecer. Há um ano, o Botafogo desperdiçou 13 pontos de vantagem para ser ultrapassado pelo Palmeiras de Abel Ferreira no final do campeonato, perante o embasbacamento geral de quem não esperava tal debacle botafoguense.

O clube do playboy Heleno de Freitas, de Didi, Jairzinho, de Nilton Santos e de Túlio Maravilha, principalmente de Mané Garrincha mantinha assim a seca de títulos que dura desde 1995. Quando em 2024 os deslizes começaram a aparecer, soou a macumba, a Elza Soares lá em cima e lançar um qualquer feitiço, culpa das maldades que Garrincha lhe fez em vida.

Mas talvez essa magia negra tenha acabado.

O jogo de terça-feira com o Palmeiras era decisivo. A equipa de Abel Ferreira chegou ao topo do Brasileirão com a aura de quem nunca pode ser deixada de parte, nem quando o título parece impossível. Já há um ano foi assim. Pontualmente empatados com o Botafogo de Artur Jorge, uma vitória da equipa de São Paulo deixava o tricampeonato a um pequeno passo. Para o Botafogo, a única opção era ganhar. A conhecida frieza do Palmeiras agigantava a montanha a escalar.

Porém, seria mesmo a parte mental a falhar ao Palmeiras, ainda mais a jogar em casa. A equipa desorganizou-se depois do primeiro golo do Botafogo, por Gregore, aos 19’, e acumulou erros individuais e azares: Rony enviou bola aos ferros ainda na 1.ª parte. Depois do intervalo, Abel viu Marcos Rocha ser expulso e com isso o título a fugir-lhe das mãos. Savarino marcou para o Botafogo dois minutos depois, aos 73’, e Adryelson fez o 3-0 aos 89’. O golo de Richard Ríos já nos descontos serviu apenas para colocar o Palmeiras no marcador (3-1).

Miguel Schincariol

Com esta vitória, Artur Jorge tem tudo para voltar a levar o Fogão ao título, dando um pontapé na malapata que dura desde 1995. Chegado ao Rio de Janeiro comprado ao SC Braga mas envolto em dúvidas, o treinador português é campeão com uma vitória e um empate nos dois últimos jogos do Brasileirão. Nenhum deles é, no papel, fácil: o Botafogo tem de se deslocar no dia 5 de dezembro a casa do Internacional, que é 3.º e ainda tem uma ténue esperança de ser campeão, e no dia 8 recebe o São Paulo, 6.º da tabela. As contas da Globo Esporte falam de 76% de possibilidades da Estrela Solitária voltar a sorrir.

O Palmeiras já não depende de si próprio. Para Abel chegar a um histórico terceiro campeonato consecutivo, é obrigatório ganhar a Cruzeiro e Fluminense e esperar por uma derrota do Botafogo. Fraticidamente, o título vai decidir-se entre dois treinadores portugueses, dois ex-treinadores do SC Braga.

Fogão perto da história

“Só poderia ser assim, só com um Botafogo deste nível seria possível vencer como nós vencemos”, sublinhou Artur Jorge aos jornalistas no final do encontro. “Depois de algumas dúvidas, mostrámos que estamos vivos, que estamos na luta, que vamos continuar a lutar. Foi uma resposta tremenda de uma equipa que se comportou num nível muito alto”, continuou, lembrando, no entanto, que ainda há “seis pontos em disputa” e que nada está garantido, num campeonato que nos tem habituado a carambolas impressionantes.

Artur Jorge frisou ainda que não está “com pressão nenhuma” em cima dos ombros e que está a viver “uma aventura que tem sido extraordinária”. Mas lembrou que não dá para aliviar. Pelo menos ainda. “Percebo a ansiedade do adepto, são muitos anos à espera de ganhar um título”, continuou, sublinhando que no sábado “há um troféu para disputar”.

Miguel Schincariol

E não é um troféu qualquer: no fim de semana, o Botafogo pode conquistar a sua primeira Taça Libertadores. E Artur Jorge tornar-se no terceiro português a fazê-lo, depois de Jorge Jesus, com o Flamengo, e Abel Ferreira, com o Palmeiras. O adversário no mítico Monumental de Nuñez, em Buenos Aires, é outro clube brasileiro, o Atlético Mineiro. A possibilidade de vencer Brasileirão e Libertadores no mesmo ano colocaria Artur Jorge numa restrita lista onde está apenas o Santos (1962 e 1963) e o Flamengo de Jesus (2019).

“Não dá para descansar, ainda não é o momento de relaxar. Temos de estar confiantes, serenos com o trabalho que fazemos. Hoje foi prova disso mesmo, colocámos muita coisa no seu lugar”, explicou ainda o treinador de 52 anos, muito perto de uma das mais históricas temporadas do futebol brasileiro.