Se houver empate na Luz ou se o Benfica ganhar por 1-0, o nome do campeão nacional só será encontrado na última jornada, a 17 de maio, com todos os jogos marcados para as 15h30 minutos. No primeiro caso, o líder será o Sporting, no segundo será o Benfica. E poderá haver reviravolta na jornada 34? Pode. É provável? Não. Só por uma vez quem era primeiro à entrada para a última jornada deixou de o ser. E tinha um ponto de avanço sobre o segundo.

Esse quase impensável aconteceu há 70 anos. Recuemos até 20 de março de 1955. O Benfica de Otto Glória liderou a prova da jornada 4 à 22. Porém, na 23.ª, deslocou-se ao Estádio das Antas e colapsou: 0-3, golos de Monteiro da Costa (15 e 62) e José Maria (60). Enquanto isso, o Belenenses, treinado por Fernando Riera, recebeu e bateu o Covilhã por 4-0, golos de Matateu (43 e 56), Ricardo Pérez (64) e Di Pace (90).

Ficavam a faltar três jornadas para o final da prova e os três primeiros lugares estavam assim ordenados: Belenenses,  34 pontos; Benfica, 33; Sporting, 32. Assim, tudo era possível: os leões chegarem ao pentacampeonato, os azuis serem de novo campeões após 1945/1946 e os encarnados voltarem a sê-lo depois de 1949/1950.

Na jornada 24 todos cumpriram as suas obrigações: Belenenses-Lusitano de Évora, 2-0; Benfica-Barreirense, 2-0; CUF-Sporting, 0-3. Na 25.ª voltaram a não perder pontos: SC Braga-Belenenses, 2-3; Académica-Benfica, 3-7; Sporting-Covilhã, 4-0. Cada um tinha, pois, somado seis pontos: Belenenses, 38 pontos; Benfica, 37; Sporting, 36.

A  BOLA, no dia seguinte à penúltima jornada, fazia assim a sua manchete: «A sentença final só será proferida no próximo domingo.» Os jogos decisivos da última jornada eram o Benfica-Atlético e o Belenenses-Sporting. E as contas eram fáceis de fazer…

O Belenenses ia para a jornada final com uma vantagem apreciável: era o único dos dos três candidatos ao título que podia resolver tudo com as próprias armas. Benfica e Sporting só podiam ganhar o título mercê do auxílio alheio.

Para ser campeão, o Belenenses só precisava de ganhar ao Sporting. O Benfica precisava de fazer melhor resultado que o Belenenses e o Sporting necessitava de bater o Belenenses e esperar que o Atlético ganhasse ao Benfica e na Luz.

Na véspera dos jogos, A BOLA fez reportagem junto das três equipas. « Até a minha filha, que ainda não sabe falar, espera ganhar o campeonato», disse o belenense Matateu. «Passei três noites de intenso sofrimento, sem conseguir dormir, andavam a dizer que três jogadores do Sporting não iam jogar para facilitar a vida ao Belenenses», revelou o leão Travassos. Por fim, a águia Coluna: «Se nos coubesse a partida decisiva tenho a certeza de que o Benfica venceria».

No Estádio da Luz, a 24 de abril de 1955, o Benfica cedo começou a resolver o problema: 1-0, por Águas (29); 2-0, por Germano (46, p.b.); 3-0, por Águas (48). Nas Salésias, o Belenenses marcou aos 2 por Pérez, o Sporting empatou por Albano aos 17 e os azuis voltaram a passar para frente aos 42 por Matateu. E o 2-1 favorável ao Belenenses e que lhe dava o título manteve-se até aos 86 minutos, altura em que o sportinguista João Martins fazia o 2-2.

As Salésias colapsaram de tristeza e a Luz foi abaixo de alegria. A classificação final ficou assim definida: Benfica, 39; Belenenses, 39; Sporting, 37. Era o nono campeonato conquistado pelos encarnados e entregue às águias após o empate do Sporting em casa do Belenenses.

João Martins, no final do jogo, explicou assim o golo: «Creio que desmentimos cabalmente todos os boatos que ocorreram nas vésperas deste encontro. Jogámos para ganhar, mas não fomos inteiramente felizes. Quanto ao golo, apareceu a oportunidade e fiz a minha obrigação.»

Carlos Silva, lateral do Belenenses, não escondeu a mágoa: «Jogámos melhor, mas um golpe de infortúnio tirou-nos o Campeonato... Matateu podia-nos ter tranquilizado, pois teve oportunidade de fazer 3-1.»

Na Luz, José Águas estava exuberante: «É o primeiro campeonato que ganhamos, desde que jogo pelo Benfica. Estou deveras satisfeito por ter contribuído para dar esta satisfação a todos os benfiquistas. Hoje é mais um dia grande para o Benfica. »

E o treinador Otto Glória, treinador do Benfica, enaltecia os jogadores: «Não encontro palavras que possam exprimir com exactidão a alegria que sinto neste momento, um dos mais felizes de toda a minha vida. Estou satisfeitíssimo com a vitória e com as manifestações sinceras dos meus rapazes, a quem felicito pelo seu comportamento, que tornou possível ao Benfica vencer mais um campeonato».

Esperemos pelo final do Benfica-Sporting de sábado para vermos se poderá acontecer algo parecido no Sporting-V. Guimarães ou no SC Braga-Benfica.