O antigo primeiro-ministro José Sócrates alegou hoje em tribunal que foi a banca e não, como sustenta o Ministério Público, o grupo Lena que beneficiou com o chumbo pelo Tribunal de Contas, em 2012, do projeto do TGV.

José Sócrates está a ser julgado, no processo Operação Marquês, por, entre outras acusações, ter sido alegadamente corrompido pelo grupo empresarial Lena para que o consórcio que o grupo integrava, e que em 2010 venceu o concurso para a construção do troço Poceirão-Caia da linha de alta velocidade, fosse indemnizado caso o Tribunal de Contas chumbasse o projeto, como acabaria por acontecer.

O montante da compensação financeira foi mais tarde estabelecido pelo tribunal arbitral em 150 milhões de euros e ainda não foi pago.

Hoje, no quinto dia de interrogatório no julgamento, o antigo primeiro-ministro (2005-2011) defendeu que este montante abrange apenas custos que o consórcio realmente teve, considerando, em contrapartida, que a "indemnização milionária" sob suspeita se refere aos 'swaps' (seguros para cobertura dos riscos) associados ao financiamento acordado entre as empresas e a banca.

Em causa, justificou com recurso a documentação, está o facto de, por decisão do Governo de Pedro Passos Coelho (2011-2015), o empréstimo que tinha sido concedido por vários bancos ao consórcio para o TGV ter sido reaproveitado pelo Estado, através da Parpública, depois do chumbo do Tribunal de Contas em 2012.

A transferência de 600 milhões de euros implicou que o Estado ficasse igualmente com os 'swaps', que, disse, tinham um valor negativo de 180 milhões de euros.

"Estas indemnizações dos 'swaps' não foram para o Lena, foram para os bancos, e, no momento em que lhes foi pago isso, a cláusula extinguiu-se. [...] Acusa-se o Lena de corrupção para obter uma indemnização que afinal foi recebida pelos bancos, é a alucinação de tudo isto", frisou José Sócrates.

O ex-governante socialista acusou ainda o Ministério Público de desonestidade por tudo isto já ser conhecido quando foi deduzida a acusação em 2017, o que valeu um protesto do procurador Rómulo Mateus.

Durante a manhã, o antigo primeiro-ministro foi várias vezes advertido pela presidente do coletivo de juízes sobre a linguagem usada, incluindo em relação ao tribunal.

"O tribunal não tem azedumes, o tribunal não tem sentimentos relativamente aos arguidos. Nunca teve e não terá. O tribunal está aqui para fazer o seu trabalho", avisou Susana Seca, acrescentando que não admitirá "considerações sucessivas quanto" à sua objetividade.

José Sócrates, de 67 anos, está pronunciado (acusado após instrução) de 22 crimes, incluindo três de corrupção.

O julgamento começou em 03 de julho no Tribunal Central Criminal de Lisboa e hoje é a primeira sessão depois de uma pausa de mês e meio durante as férias judiciais.

No total, o processo conta com 21 arguidos, que respondem globalmente por 117 crimes económico-financeiros.

Os arguidos têm, em geral, negado a prática de qualquer ilícito.